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“(…) a política é hoje o encontro entre o visível e o indizível.”
Nicholas Mirzoeff
«Quando me pediram para escrever sobre esta exposição, dei por mim dividida entre a falta de palavras com que começar o texto e, ao mesmo tempo, a certeza de que o silêncio não é um lugar onde se possa permanecer — porque, como li nos relatos de John Berger, há um silêncio que é “pior do que as balas”. E por isso como falar de uma exposição que ecoa sofrimento e guerra e morte? Como falar de imagens quando a realidade que retratam é indescritível? Foi o meu próprio sentido de justiça, e a minha crença na equidade e na proteção das culturas e da vida humana, que me permitiram seguir em frente, ainda que ciente do meu lugar privilegiado enquanto europeia.
Tive dificuldade em encontrar palavras que compreendessem a brutalidade infligida a um povo e, pungentemente, o súbito assassínio de Fatma Hassona — uma das artistas em exposição — logo após a inauguração. Isto significa que os meus modos de olhar as imagens não poderiam ser enquadrados por muito do que aprendi sobre modos de ver, ainda que o objetivo dessa aprendizagem seja também desmontar as tradições mais estabelecidas do olhar ocidental. Tenho, além disso, de reconhecer que os bem-intencionados discursos com um cunho pós-colonial também me deixaram sem chão — porque, declaradamente, não conseguiram (ainda não conseguem) ter um impacto real na sociedade. Este texto não procurará aplacar este reconhecimento, mas pretende contribuir para amplificar o empenho em não perder a esperança perante um mundo cínico. Ou, talvez, simplesmente possa ajudar a compreender os contextos onde se originam as imagens em Palestine Here and There, e tentar conectá-las à nossa realidade.
Queria (esperava) conseguir olhar para as fotografias e filmes da exposição com algum controlo sobre o estado de comoção e perplexidade em que eu, e toda a gente envolvida, ficámos após a notícia do ataque aéreo israelita que matou Fatma Hassona e a sua família. Esperei, por isso, algumas semanas. Sabia que este não seria um texto sobre a exposição nos termos habituais dos media artísticos, avançando uma crítica e um enquadramento histórico das obras e das carreiras dos artistas. Ainda assim, o facto de as fotografias e os filmes se encontrarem numa galeria de arte significa que estão inseridos num espaço a partir do qual essa amplificação pode acontecer, e a própria Ahlam Shibli, com quem me encontrei para tomar um chá alguns dias antes da inauguração, tranquilizou-me quanto a isso. Por isso começo este texto com esse encontro — porque as regras para escrever sobre uma exposição não se aplicam aqui da mesma forma.
Ahlam Shibli teve o seu trabalho fotográfico e em vídeo amplamente exposto em importantes bienais de museus internacionais. Com uma estética documental, Shibli denuncia políticas opressivas no mundo contemporâneo, e em particular no seu país de origem. Queria me encontrar com ela, não para uma entrevista, mas para uma conversa informal. Paula Parente Pinto, curadora da exposição, tornou o encontro possível. Lembro-me de sentir uma estranha impressão de paz ao atravessar a relva em direção ao estúdio de Performing the Archive. Sabia que era uma paz valiosa. Não queria tomá-la por garantida. Assim, procurei pôr o privilégio de uma caminhada tranquila numa tarde de sol ao serviço de alguma forma de solidariedade. Para mim, a surpresa mais impressionante daquela conversa foi o profundo otimismo que Ahlam transmite. Mantém-se convicta de que a arte, e a sua circulação através do sistema artístico, fazem diferença para o destino do seu povo. Acredita na coexistência entre israelitas e palestinianos, irradia resistência e esperança. (...)». Leia na integra. E saiba mais na Rampa.
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