Mas regressemos à cidade.
A decisão da CNE teve o condão de permitir a João Ferreira intervir na campanha eleitoral de Lisboa num plano menos secundarizado, o que por ele tem sido aproveitado para apresentar diagnósticos críticos e formular políticas alternativas às que têm sido seguidas nas últimas décadas. E assim o que era para ser uma corrida a dois tornou-se num debate a três. De resto, o contributo diferenciado do candidato da CDU tem sido reconhecido por apoiantes tanto de Carlos Moedas como de Alexandra Leitão. Independentemente de concordarem ou não com o discurso de Ferreira, os lisboetas que o ouvem têm ficado a conhecer melhor a cidade em que vivem, tomando consciência da comunidade no seu todo e dos desafios que esta consciência coloca.
Deixo dois exemplos concretos do que está aqui em causa: na questão da higiene urbana, não se trata apenas de protestar contra o mau cheiro das ruas da cidade, assunto que tanto tem dividido Moedas e Leitão, mas de considerar como a ineficiência da ação municipal se articula com a degradação das condições de quem trabalha na recolha do lixo. Segundo exemplo: na questão dos transportes, não se trata apenas de propor uma política de gratuitidade para quem mora no concelho, mas de enquadrar esse objetivo à escala da metrópole, por mais que os habitantes de concelhos vizinhos não votem para eleger o presidente de Lisboa.
Percebo o apelo ao “voto útil” formulado por alguns apoiantes de Alexandra Leitão, como o meu colega João Costa, mas creio que labora em três erros importantes. Primeiro, o PS deveria estar focado em ir recuperar os votos que perdeu em 2021 e que na sua esmagadora maioria terão ido para Moedas. Segundo, a candidatura de João Ferreira revela-se neste momento em condições de mobilizar eleitores de classes sociais mais baixas que deixaram de votar ou nunca votaram à esquerda. Terceiro, o problema da esquerda hoje não é tanto o de estar ou não estar unida entre si, mas a crescente desafeição entre toda e cada uma das suas partes e o grosso da população. O discurso de João Ferreira sobre a cidade tem conseguido contrariar esta desafeição e é uma das poucas exceções ao estado de descrença e desmoralização em que a esquerda portuguesa hoje se encontra. Vamos desapoiá-lo e deixar de votar nele porque é do PCP e não do PS? Não o farei. (...)».