segunda-feira, 13 de setembro de 2021

CARLOS DE OLIVEIRA | no ano do centenário de nascimento

 

 

E neste ano de centenário, para quem quer saber mais, o texto seguinte de Manuel Gusmão, publicado no jornal Avante! e também disponível aqui:


 
Excerto:
«(...)

Será essa pai­sagem so­cial que o toca e marca ou, como pre­fe­rirá dizer, o ta­tuará. A es­colha dessa úl­tima pa­lavra mostra ri­go­ro­sa­mente essa marca que fica im­pressa, gra­vada a fogo na pele. Essa ta­tu­agem, marca do ferro, fi­cará la­te­jando na me­mória e pro­jectar-se-á em vá­rios as­pectos da sua obra. Todos os seus ro­mances têm como ce­nário a pai­sagem gan­da­resa, que mar­cará também pre­sença em muitos dos seus po­emas.

Quando o autor fala do lado so­cial e do outro da sua obra, que vêm dos anos vi­vidos na Gân­dara, en­ten­demos que a sua cons­ci­ência so­cial e a sua pos­tura ética e ide­o­ló­gica fi­caram in­de­le­vel­mente mar­cadas por essa po­breza dos cam­po­neses, por essa mor­ta­li­dade in­fantil enorme, por essa imi­gração es­pan­tosa e por esse mundo quase lunar de tão de­so­lado, e se ex­pri­miram na ori­en­tação so­cial da sua obra, na es­colha que ela faz do seu campo so­cial e, também, da sua cons­ci­ência pro­fis­si­onal, nas ca­rac­te­rís­ticas for­mais da sua ofi­cina: tra­balho de rigor, en­xuto, labor de­mo­rado para obter a bre­vi­dade, a de­pu­ração e o des­po­ja­mento. Ele pró­prio nos des­cre­verá em que con­siste esse tra­balho ofi­cinal.

«O tra­balho ofi­cinal é o fulcro sobre que tudo gira. Mesa, papel, ca­neta, luz eléc­trica. E horas sobre horas de pa­ci­ência, cons­ci­ência pro­fis­si­onal. Para mim esse tra­balho con­siste em al­cançar um texto muito des­po­jado e de­du­zido de si mesmo, o que me obriga por vezes a trans­formá-lo numa me­di­tação sobre o seu pró­prio de­sen­vol­vi­mento e des­tino. É o caso da Mi­cro­pai­o­sagem. Um texto di­ante do es­pelho. Vendo-se, pen­sando-se.»

No poema So­neto fiel, de Sobre o lado es­querdo, en­con­tramos o mesmo am­bi­ente, a mesma ofi­cina de es­crita:

 

Vo­cá­bulos de sí­lica, as­pe­reza,
Chuva nas dunas, tojos, ani­mais

Ca­çados entre né­voas ma­ti­nais,
A be­leza que têm se é be­leza.

O tra­balho da plaina por­tu­guesa,
as ondas de ma­deira ar­te­sa­nais

dei­xando o seu fulgor nos areais,
a so­lidão co­a­lhada sobre a mesa.


As sí­labas de cedro, de papel,
a es­puma ve­getal, o selo de água,
caindo-me das mãos desde o início.


O abat-jour, o seu luar fiel,
in­si­nu­ando sem amor nem mágoa
a noite que cercou o meu ofício.


Uma das ca­rac­te­rís­ticas que sin­gu­la­rizam Carlos de Oli­veira é o facto de ser um autor que re­es­creveu in­sis­ten­te­mente os seus li­vros, como quem está per­ma­nen­te­mente in­sa­tis­feito e es­pera ainda dar às suas pa­la­vras uma per­feição maior. En­tre­tanto, outra das ca­rac­te­rís­ticas da sua obra poé­tica tem a ver com o facto de ela ter sido es­crita senão toda, pelo menos na sua pri­meira versão, du­rante o fas­cismo.

Desta cir­cuns­tância guarda a po­esia de Carlos de Oli­veira a sua ati­tude de tes­te­munho in­sis­tente e de re­no­vada re­sis­tência. Carlos de Oli­veira não dei­xará nunca através da mu­dança das formas, de cantar essa noite que cerca o seu ofício. Nessa «noite in­quieta», onde pa­rece estar só, mas onde chegam os ecos da re­sis­tência e da luta dos seus com­pa­nheiros; nessa noite em que per­corre ele pró­prio o ca­minho da Des­cida aos In­fernos, da vi­agem até ao centro em fogo da terra, donde con­voca «o apo­ca­lipse da es­pe­rança» contra «o fogo dos fás­cios». (...). Leia na integra.

 



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