quinta-feira, 9 de outubro de 2025

«à espera de Godot»

 


 

Sinopse

Dois mendigos, Vladimir e Estragon, aguardam junto a uma árvore por alguém chamado Godot. Para passar o tempo, recorrem a diálogos circulares onde refletem sobre a existência, o absurdo e a própria espera. Chegam outras personagens, Pozzo e o seu servo lucky, que pouco esclarecem. Entre o cómico e o trágico, Beckett constrói uma obra fundamental do teatro do absurdo, explorando o vazio e a condição humana diante da espera e da incerteza. Saiba mais.

 

*
* * 

E do que escreve João Carneiro no Expresso:«(...) “À Espera de Godot” começa com Estragon a tentar descalçar uma bota. Chega Vladimir e chega uma primeira constatação de Estragon: “Nada a fazer.” “Começo a ter a mesma opinião”, responde Vladimir. Entre o título, o lugar e o tempo, assim como entre os dois finais, joga-se muito daquilo que pode ser a peça de Beckett. Um lugar em que duas personagens esperam a chegada de alguém que se chama Godot e que nunca chega. Esse alguém envia um mensageiro, por duas vezes, no final do dia e no final de cada ato, que vem dizer que o Sr. Godot manda dizer que não vem hoje, mas que virá amanhã. Estragon e Vladimir, ou seja, Gogo e Didi, continuam à espera.

Enquanto esperam, Estragon e Vladimir tentam passar o tempo. “E, agora, o que é que fazemos?” “Esperamos.” “Está bem, mas enquanto esperamos?” “E se nos enforcássemos?” O enforcamento não chega a acontecer; ou porque não há um ramo de árvore adequado ou porque não há corda que sirva para o efeito. “Amanhã enforcamo-nos... a não ser que venha o Godot” “E se vier?” “Estamos salvos.”

 A peça é, ainda, atravessada por outras duas personagens, Pozzo e Lucky; senhor e criado, ou melhor, senhor e escravo. Um é frio e cruel, o outro um ser meio morto, tratado da maneira mais abjeta pelo dono — que aliás planeia vendê-lo; aparecem nos dois atos, e a sua passagem é um dos aspetos que mais impressionam o encenador, António Pires; justamente, pela figura do escravo, tão presente na realidade atual, fora do teatro e que a escrita e a invenção de Beckett cristalizam de maneira exemplar, no limite do suportável. Mas a relação de Estragon e Vladimir, ferida por um vazio iminente e um pessimismo irrecusável, é atravessada por outros tópicos. Entre os dois homens existe uma verdadeira amizade. No início do primeiro ato, Vladimir exclama: “Fico contente por te ver”; no segundo ato, também no início, o mesmo Vladimir exclama: “Outra vez!... Vem cá para te abraçar”, ao que Estragon, depois de um “não me toques” inicial, responde: “Fica comigo!”; e abraçam-se, realmente. Entre os dois existe uma esperança, por isso esperam por Godot; existe, também, muitas vezes uma certeira e partilhada ironia — Pozzo: “Sou cego”; Estragon: “Talvez ele consiga ver o futuro”; ou de novo Estragon: “Quanto mais tempo é que vamos ter de acarretar com este?... Não somos cariátides.” E entre os dois corre, ainda, uma fortíssima corrente lírica — Estragon: “Enquanto esperamos podemos tentar conversar calmamente, já que somos incapazes de ficar calados”; Vladimir: “Tens razão, somos inesgotáveis.” E continuam partilhando um sublime diálogo: “Todas as vozes mortas/ fazem um barulho de asas/ de folhas/ falam todas ao mesmo tempo/ cada uma para si/ ou melhor, sussurram/ ciciam/ murmuram/ o que é que elas dizem?/ falam das suas vidas/ não lhes chega ter vivido/ não lhes chega estar mortas/ não é suficiente/ fazem um barulho de penas/ de folhas/ de cinzas/ de folhas.” (...)».

 



Sem comentários:

Enviar um comentário