Excerto
(...) É nesta perspectiva que se pode compreender o alcance deste livro. Atravessamos uma época definidora do futuro. A Europa encontra-se entre Cila e Caribdis: de um lado o pensamento fascista de Trump e a incapacidade dos líderes europeus em fazerem frente a esse pensamento turístico, empreendedor da moda e da morte. Gil é veemente no diagnóstico: jamais o pensamento fascista será verdadeiramente um pensamento. É antes - e é essa a sua arma - uma “berraria”, um dinamitar da própria argumentação que impede, bloqueia a apresentação clara dos fins políticos. Igualmente essa “berraria” é o que define a acção de André Ventura que tem a seu favor a anemia das esquerdas. Ou, tão-só, a anemia do humanismo, hoje uma palavra que se diluiu na miríade dos discursos da comunicação social, a qual, diz Gil, sequestrou a força vital, a energia da utopia, formatando tudo e tudo medindo pela régua da mediocridade triunfante. É contra o império da opinião que o autor de Portugal Hoje, o Medo de Existir (2005) chega a determinados pontos de ruptura que - assim houvesse deputados que o lessem e o compreendessem - podem bem ser da mais urgente praxis política. Faz-nos falta, sentencia José Gil, a força vital, a força que é determinada pelo amor à vida para combatermos e vencermos o neofascismo.
É uma luta titânica entre Eros e Thanatos o que estamos vivendo hoje. A única arma que o neofascismo usa é, diz o filósofo, a energia e o fascínio da morte. A morte da linguagem, a sua corrupção, a superficialidade do comentarista político, a cobardia de imensos deputados, perfeitamente incapazes de responder com a veemência da força da liberdade contra a corrupção da democracia que Ventura e os movimentos que o apoiam representam, isso está de acordo com a matriz existencial a que José Gil sempre obedeceu: tornar-se aquilo que estava prometido ser. É uma frase de Nietzsche: “Torna-te aquilo que és.”, é um imperativo mais que categórico, uma injunção existencial que Gil, no fundo, estende a todos os que o leiam. Portugal, que tem ainda diversos e profundos sintomas de fascismo numa sociedade que, actualmente, se bestializa, é um país onde urge cada um compreender a sua singularidade. É uma das ideias-força deste livro onde a conversa flui, natural, humana: a distinção entre identidade e singularidade. O livro Portugal Hoje é um estudo sobre as mentalidades, não uma reiteração das tese de Eduardo Lourenço sobre o que somos. (...)».
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