quarta-feira, 18 de junho de 2014

ENTREVISTA DE FERNANDO MORA RAMOS À «HAMLET NEWS» | «Vicente é a mesma praia, é o nosso Shakespeare»


 
A Comédia de Rubena
Exercício-Espectáculo dos alunos do Curso Profissional de Interpretação
do Colégio Rainha D. Leonor
 

SALA ESTÚDIO DO TEATRO DA RAINHA
24 e 25 de Junho | 21h30
(Sessões reservadas para familiares e escola)
26 e 27 de Junho | 21h30(Público em geral)
PREÇO SIMBÓLICO | 2 CEITISInformações e Reservas262 823 302 | 966 186 871geral@teatro-da-rainha.com

 
 
A Propósito deste trabalho,  entrevista do Encenador
Fernando Mora Ramos
 para a Hamlet News

Quando tanto se fala do trabalho com as Escolas, uma entrevista que nos mostra como acontece no terreno. A nosso ver, um caso, com que se pode aprender. E dupla satisfação, sou amiga dos «protagonistas».
 Hamlet News – A trabalhar com adolescentes, como é que se sente, como é que as coisas acontecem?
Fernando Mora – É extraordinário, uma revelação. A novidade constante da escolha sensível, a inteligência das situações, uma concentração que nalguns dos alunos e alunas interpretes é fogo pela intensidade do foco. É um grupo excelente e são idades de grande disponibilidade, já não são crianças e têm tudo pela frente como aprendizagem do mundo e como modos de olhar o que acontece no dia-a-dia, ao mesmo tempo que se sente no ar uma pulsão vital muito forte, essencial para o teatro, essa vida revisitada e reinventada, criação. É um encontro curioso, o destes dois tempos, o tempo dos jovens e o do tempo da peça. Estamos numa permanente viagem e eu gosto muito de verificar no presente a força do passado, não como algo que puxa para trás mas como algo que propulsiona para a frente. É uma dinâmica muito viva, não só pela energia que surge de uma atenção expectante, o famoso círculo da atenção de que Stanislavski falava, mas também pela generosidade que surge espontaneamente logo que vencidas as barreiras de um certo pudor. Pudor essencial a uma verdadeira tensão em cena, uma tensão que seja encaminhada para uma direcção justa, aquela que é fruto da compreensão do trabalho do sentido em cena. O grupo trabalhou a peça com a Isabel Lopes e teve portanto a oportunidade de conhecer bem o texto, de se apropriar dele. Ao longo dos ensaios vamos verificando os modos dessa apropriação, como o sentido pesquisado no trabalho de mesa se transforma num sentido do trabalho dos corpos inteligentes em cena. E o trabalho com o Carlos Borges, de abertura das disponibilidades do corpo/voz, sobre a elocução e a liberdade do corpo, do corpo não mecânico, é também essencial. Se juntarmos esses dois fundamentos do trabalho de criação a uma aprendizagem do que se deve fazer num espaço de ensaios, com tudo os que as técnicas, a luz, o som e guarda-roupa exigem, com a organização do trabalho dos bastidores que a Ana Pereira tem cuidado e com tudo o que a Carina e o Filipe têm estruturado no âmbito técnico e técnico-artístico, temos um quadro pleno do que para nós, Teatro da Rainha, será enquadrar um estágio curricular. Mesmo o trabalho promocional está a encontrar caminhos próprios com a intervenção da Vera Marques e esperamos vir a ter gente diferente nas salas, mais gente nova a ver o exercício, os seus colegas de idade e novas famílias a aderir ao teatro.
É uma experiência única e devo dizer que, com o abandono de um encontro real com este tipo de matérias-primas literárias, verdadeiros tesouros, promovido pelos vários ministérios - supostamente preocupados com um ensino para o emprego que despreza as humanidades, sem que se perceba porquê, mas não inventando novos empregos – esse encontro com os nossos clássicos feitos de um modo nada menorizado ( adaptado, resumido, nem convertidos em banda-desenhada, nem sujeitos a nenhuma adaptação vídeo-(in)criativa, nem tão pouco a nenhuma tradução estupidamente plástica do tipo de fazer um Auto da Índia sem palavras) é essencial para que descubramos como estar na Europa sem sermos servilmente anglófilos, anónimos falantes da nossa própria língua já desnaturada, sempre pendurados numa outra que nos escapa – a este propósito deveria desenvolver-se a consciência que comunicar e ser, ser alguém, ser sujeito de uma cultura, são coisas diferentes e que saber dizer Hello good-bye não é ler Shakespeare, esse inglês que vai fundo como o português que Vicente cria, renova e inventa a caminho de uma língua estabilizada. O que nos diferencia é a língua e qualquer domínio que tenhamos das outras é tão mais completo quanto seja mais profundo o nosso português. E não é uma questão de pormenor, é essencial, estruturante da nossa identidade e segredo da qualidade distintiva da nossa integração na Europa que nos acenou com dinheiro fácil e que agora nos castiga.   
Trabalhar com estes jovens, detentores aliás de uma cultura “global” e de muita variedade de experiências, é como que ter a percepção de que o mundo que aí vem é melhor do que aquele que todos os dias temos de “comer” via média.  
Está a ser muito interessante trabalhar com a Cibele, a Marta, a Duda, o Davide e o David, a Rita, a Neuza, a Daniela Pais e a Daniela Marques, o Ricardo, a Mónica, a Carina, a Beatriz, a Ana e a Mihaella.
Hamlet News – Porquê Gil Vicente?
Fernando Mora – Porque é que a vossa revista se chama Hamlet?
H. N. – Shakespeare…
Fernando Mora – Vicente é a mesma praia, é o nosso Shakespeare e se os ingleses o conhecessem, e isso seria estarmos na Europa cultural, diriam que o Shakespeare é o Vicente deles. É o mesmo mundo um pouco antes no tempo, o mesmo génio criador. O imaginário greco-latino, a fantasia cénica, o ser um teatro dos corpos – mesmo o Auto da Alma, já que forma religiosa, moralidade, a cena sempre a converte em bem profano, prazeres do corpo e da mente – a língua bilingue, o português ainda em fase de fixação e a dimensão cultural, isto é, a revelação de um mundo fortemente ligado a ritos ancestrais, cósmicos e campestres, também a uma atualidade urbana emergente – como no Auto da Índia, mas também esta Rubena, pelo lado dos poderes de facto, do pai autoritário, da tragédia da gravidez adolescente – é essencial para compreender no hoje o que o urdiu. Não sendo assim estamos sempre no exterior do que possamos ser, espuma mais que corrente profunda, maquilhagem mais que rosto enquanto expressão de um dentro.
H. N. – Porque é que diz isso?  -  CONTINUE A LER.
 
 

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