também se pode explorar
possibilidades «gratuitas»
Entretanto, passagens: «(...) E agora, a segunda parte da citação, que revela a autoria desta tomada de posição e o lugar estratégico — não a rua, mas uma ilustre casa — de onde emerge a sublevação: “Como ministra da Cultura, o meu compromisso é com o Portugal inteiro, não com grupos que, pelo seu acesso aos media, se julgam senhores da cultura em Portugal. Quero dizer isto, e de forma muito determinada e clara, não em Lisboa, ou apenas em Lisboa, mas também sobretudo aqui, na ilustre Casa de Tormes.”
(...)
O “meio cultural” não existe de outra maneira (em Portugal, em Espanha, em Itália, em todo o lado, apenas com ligeiras diferenças) e é porque existe um “meio cultural” que há um ministério da Cultura. Ser ao mesmo tempo ministra da Cultura e declarar guerra ao “meio” é uma impossibilidade lógica. Há, evidentemente, quem se afaste do “meio”, quem ache que só se retirando dele pode exercer bons ofícios culturais. Mas esses de modo nenhum se identificam com algo a que aqui chamo “bons ofícios culturais” e, para eles, mais ministra menos ministra, mais “meio” menos “meio”, tanto faz. A ministra bem pode argumentar que apenas declara guerra a um “certo” meio. Mas imediatamente o “meio” reconstitui a sua lógica porque não há “meio cultural” que não seja um campo de batalha, um terreno de luta.
É tão impossível ser ministra da Cultura e governar contra a lógica do “meio cultural”, como é impossível eu escrever o que aqui vai escrito subtraindo-me ao mesmo tempo à condição de quem, beneficiando do acesso aos media (ou, pelo menos ao medium que é este jornal), está incluído na categorização ministerial de “senhor da cultura”. Não é que isso me satisfaça, e às vezes até o tento contrariar fazendo “crítica cultural” (uma disciplina que, de resto, já caducou há muito tempo), mas a única maneira possível — e coerente — de fugir às desonras culturais era mudar de vida e de lugar. No dia em que a ministra da Cultura, não na “ilustre Casa de Tormes”, mas num outro sítio (proponho uma conhecida casa “comum” no Regueirão dos Anjos, em Lisboa), vier declarar que percebeu que a guerra ao “meio cultural” não pode ser feita, e resulta numa coisa ridícula, a partir do Ministério da Cultura, e que por isso abandona o cargo para prosseguir a sua guerra por outros meios mais eficazes e mais legítimos, eu alisto-me nas suas hostes como soldado e nunca mais serei aqui visto».