e de lá a nosso ver esta «pérola»
«Uma forma de liberdade»
Herman José
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Entretanto, neste tempo em que não abundam CRÍTICOS/AS DE TEATRO,
ler DOMINGOS LOBO
no AVANTE! é um privilégio
Avalie por si
«(...) É
neste cenário, entre o austero e a sugestão do esboço de uma
narrativa em construção, que a figura frágil de alguém que cuida
desse lugar, surge para ocupar esse espaço, para o habitar e tornar
seu. O andar inseguro, as roupas andrajosas do trabalho, a
lanterna que percorre nervosa os recantos da grande nave, o cansaço
da rotina. E a actriz, ao caso essa talentosíssima actriz que é
Maria Rueff, na quase ausência de palavras deste seu fiel de
armazém, estivesse ali, a encher o palco, para nos mostrar que na
dor, na quase ausência de todos os confortos que o neoliberalismo
trombeteia, o riso e as canções aprendidas na infância ainda são
possíveis, que algumas palavras bastam, mesmo que atabalhoadas,
encontradas ao acaso num dicionário de bolso, alguns gestos, para
comunicar com o outro, mesmo que as palavras, dessa voz amestrada,
sejam ininteligíveis.
A
personagem de Rueff é a de um ser solitário, vivendo nas
traseiras de um universo de ficções, longe dos olhares e dos aplausos
do público, despertando dessa tarefa solitária e repetitiva
com a chegada de «uma “companhia de ingleses”, especialista em
Shakespeare, que vem montar o Hamlet a
Almada». É um ser que vive as margens do sonho, sem dele fazer parte,
alguém empático, de quem se gosta ao primeiro gesto, pela
fragilidade, pelo andar dobrado, por pequenas frases ditas, para
si, quase em surdina. E logo nos vêm à memória o Charlot de Luzes da Cidade, Tempos Modernos, A Quimera do Ouro,
Buster Keaton, ou o olhar melancólico de Totó, ou o drama
escondido por detrás da agudíssima voz do bonecreiro da peça O Vagabundo das Mãos de Ouro, de Romeu Correia. Essa dor, dizem-nos Rueff e Rodrigo Francisco, que encontraram no texto O Contador, de Aldo Palazzeschi, que ambos escavaram para descobrir o riso que toda a dor transportará.
Essa dor/riso manifesta-se em várias situações de Elogio do Riso:
na forma como o contínuo/porteiro/fiel de armazém dialoga
consigo, à falta de interlocutores, ou com as vozes, numa estranha
língua, que vêm da régie; na cena da refeição, nesse tugúrio
simbolicamente escavado num dos alçapões do palco, em que
revemos Charlot; nos apetrechos usados para aparar os pingos de
chuva, que se transmudam em instrumentos musicais numa das cenas
mais cómicas e conseguidas da peça, na qual melhor reconhecemos a
grande actriz de comédia que Rueff é; a subida das escadas, para
iluminar a imagem do nicho, a perna que baloiça no vazio é um achado,
como o é o deleite como a personagem se espoja no trono de Hamlet, destruindo o seu régio significado.
A
cena da tempestade, os trovões, o vento, o ruído da chuva, é uma das
cenas de grande impacto, aqui, graças à tecnologia e à apropriação
que dela fez Daniele Mendrico. Os papéis que o vento espalha pelo
palco serão do Hamlet, ou das que este espectáculo poupou,
substituindo-as pelo corpo e pelos gestos da actriz?
Com
Rueff, uma Rueff pamplinesca e soberba, rimos de forma
inteligente, estivemos envolvidos, durante uma hora,
suspendendo tudo o que nos magoa, nesse mágico absurdo feliz e
poético que o teatro é, quando feito por profissionais cultos e
sensíveis.
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E nunca dispensamos o que
João Carneiro escreve no Expresso.
Como regra, masterclasses sobre Teatro
“Elogio do Riso”, com Maria Rueff | Pedro Castanheira
Termina assim (o destaque é nosso): «(...) Assim nasceu o “Elogio do Riso”, um monólogo em que Maria Rueff cria uma personagem que espera, num teatro, a chegada de uma companhia que vem representar Shakespeare. É um espetáculo feito de situações, e não de palavras, que são meramente episódicas. E é um espetáculo que homenageia, também, quer todos os cómicos que contribuíram para uma supremacia do riso e da alegria, quer os mestres que foram decisivos para a vida da atriz. O riso, como o teatro, é uma coisa que se ensina e que se aprende».