quarta-feira, 21 de novembro de 2018

«A sorte é haver criadores e artistas que são uma espécie de aldeias de Astérix num país que despreza a cultura, a sua história e a sua memória»


No Negócios
«Há uma história antiga que tem muito que ver com a situação portuguesa actual. Quando George Bernard Shaw, dramaturgo e prémio Nobel da Literatura, falava de arte a um empresário teatral este falava-lhe de dinheiro, e quando Shaw falava de dinheiro aquele falava-lhe de arte. A dúvida metódica portuguesa actual confunde-se com dívida. Quando António Costa fala de touradas fala de dinheiro e quando Manuel Alegre fala de corridas de touros esquece-se do dinheiro. No fundo, o alarido nacional à volta de o IVA das touradas ser de 6% ou 13% não tem que ver com a discussão séria que poderia haver: devem, ou não, existir touradas? Mas, como sempre, em Portugal mistura-se tudo para que, depois, não se tome uma decisão sobre nada. Dela vai sobrar apenas Manuel Alegre, a "voz moral" que sempre conviveu com o "status quo" partidário quando lhe convinha. Nada mais. Discute-se touradas como se fosse uma questão de "civilização" ou de "liberdade", mas evita-se fazer a definitiva pega de cernelha: que política de cultura se quer para Portugal? Que estratégia deve ser seguida? E como é que ela pode e deve ser paga?
Não há, como se sabe, uma ideia de política cultural para o país. Exceptuando alguns "árbitros do gosto" que por aí cirandaram, a evocação da cultura serviu apenas, durante décadas, para a classe política pendurar na lapela nomes que lhes davam "credibilidade" antes das eleições. Nunca a cultura foi considerada como um pilar estratégico da nação. Pensa-se nos monumentos em momentos de turismo sedento, mas fora dessas eras de excitação, ficam a apodrecer (basta ir ao Palácio da Ajuda, sede do Ministério da Cultura, para ver como o património é tratado no país). Fala-se de estratégia audiovisual, mas é tudo para inglês ver. A sorte é haver criadores e artistas que são uma espécie de aldeias de Astérix num país que despreza a cultura, a sua história e a sua memória. Não se discute cultura: grita-se por causa das touradas e, brevemente, do tiro aos pombos. Enquanto isso o país torna-se analfabeto. E fica feliz com isso.» Tirado daqui.

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