quinta-feira, 22 de fevereiro de 2018

RUI VIEIRA NERY|«Não assumir a cultura como prioridade é um sinal de ignorância»

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Uma passagem: «(...)
 Foi secretário de Estado da Cultura, entre 1995 e 1997, quando o ministro era Manuel Maria Carrilho. Que memórias guarda desses anos no Palácio da Ajuda?
São boas memórias, no conjunto. Eu costumo dizer que nas mesmas circunstâncias teria voltado a aceitar o cargo, e nas mesmas circunstâncias teria voltado a sair. Foi uma oportunidade importante para conhecer as políticas culturais por dentro e na minha área específica, que era Artes e Espetáculos, ajudei a racionalizar e a tornar mais transparentes as políticas públicas, com a introdução de regulamentos para a concessão de subsídios mais claros, pensar no sistema de Artes e Espetáculos articulado entre organismos públicos e a contratualização com investidores privados, percebendo melhor o papel do Estado e do mercado e o espaço de negociação entre ambos. Foram dados passos importantes, mas quero destacar a recriação do setor público da cultura que tinha sido destruído pelo Dr. Santana Lopes, durante o governo do Prof. Cavaco Silva. Privatizou-se e transferiu-se para fundações muito do que era público.

Já é uma frase batida dizer que a cultura é o parente pobre do Orçamento do Estado. Tem sido uma tónica transversal a governos PS e PSD?
Tenho pena de que mesmo nos governos socialistas tenha manifestamente havido um decréscimo no investimento na cultura e um decréscimo no reconhecimento da prioridade política da cultura. Espero que esse movimento se possa inverter, porque é dramático. Não há vontade política de assumir a cultura como prioridade.

Estamos a falar de preconceito?
Não assumir a cultura como prioridade é, sobretudo, um sinal de ignorância. Está mais do que demonstrado o papel da cultura, por um lado, no desenvolvimento económico, como fator de originalidade, inovação e com repercussões no emprego, nas mais valias para os produtos, etc. Mas também, sobretudo, como algo fundamental para a democracia, a convivência democrática, a harmonia intercultural, o diálogo entre posições políticas e ideológicas diferentes, etc. Isto sem esquecer o impacto social da cultura. Em qualquer modelo sustentável de desenvolvimento político e económico a cultura deveria ter um protagonismo muitíssimo maior. É justo dizer que a pouco e pouco vai-se compreendendo melhor esse protagonismo a nível autárquico. Em termos locais, as pessoas começam a perceber que querem o seu museu, a sua galeria, o seu auditório, a sua biblioteca. Estas exigências já fazem parte das reivindicações de um autarca, mas ainda não chegaram ao poder político central e é urgente que cheguem.

Em que pilares de devia estruturar uma política cultural de futuro e com futuro?
Para começar, atualmente o que existe é um ministro da cultura, mas não existe um ministério. O ministro está integrado numa estrutura da Presidência do Conselho de Ministros que não controla e que antes o controla a ele. Para além disso, o ministro depende de financiamentos que são regateados e geridos, em grande parte, pelo Ministério das Finanças e não pelo próprio Ministério da Cultura. O ministro tem muito pouco a dizer sobre as politicas culturais internacionais porque são geridas, fundamentalmente, pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros. Portanto, há uma menorização evidente da pasta no contexto do Conselho de Ministros, o que me parece uma situação muito negativa.

Um ministro da cultura sem peso político pouco ou nada pode fazer?
Absolutamente. O atual ministro da cultura, Luís Castro Mendes, é um poeta e conhece bem o setor, mas não tem nem peso político, nem meios orçamentais para cumprir sequer o programa aprovado pelo governo. Não lhe invejo a situação. Faço votos para que o governo no seu conjunto, e em particular o Primeiro-Ministro, compreendam a necessidade de dar a um bom  ministro instrumentos para fazer uma boa política.

Que outros equívocos contribuem para esse papel subalterno da Cultura?
É preciso ultrapassar uma série de ilusões que derivam da informação  sobre o papel do Estado, da sociedade civil e do mercado no tecido cultural. Em nenhum país do mundo - nos ditos países do primeiro mundo - a cultura se paga a si própria. Ela só se paga a si própria pelo efeito social que tem. Mas é esta arrumação de princípio que é fundamental para que se possa avançar com políticas sólidas, estruturais e estruturantes para a cultura. Nos últimos 20 anos tivemos pouca clareza e muita hesitação no papel do Estado, da sociedade civil e do mercado. Ou tivemos excesso de financiamento público ou a sua absoluta falta, a ideia de ver os criadores e os produtores como subsídio-dependentes e não como parceiros na prestação de um serviço cultural, de que o Estado é constitucionalmente responsável.

A difusão planetária da cultura portuguesa, tanto ao nível do cinema, literatura e música, é um veículo de afirmação nacional. Podíamos ser uma potência mundial com meios e estratégia?
Potência mundial é uma expressão que não se aplica neste caso concreto. Utilizando um termo tecnocrático - a marca Portugal já tem um reconhecimento cultural e internacional muito grande, tendo em conta a dimensão do país. O cinema português ganha prémios em festivais, os artistas plásticos expõem nas principais galerias, os escritores portugueses são traduzidos em todo o mundo, alguns compositores começam a ser tocados e editados no estrangeiro, etc. A difusão é muito grande pelo mérito individual destes criadores. Não há uma estrutura institucional que apoie de forme sistemática e organizada este esforço de difusão. É isto que nos falta. Não que queiramos concorrer com as grandes indústrias culturais, mas podemos concorrer num espaço de criação de autor reconhecido e aplaudido internacionalmente. E isso confere ao país uma imagem de civilização, progresso, clarividência e inovação, com consequências no tecido económico. O exemplo que eu dou sempre é dos sapatos portugueses e do design de moda. (...)». Leia mais.



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