segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

Gestão de Equipamentos Culturais, Programação Cultural e afins | Em anteprojeto !



A notícia:
«Embora na prática muitas câmaras sejam responsáveis pela gestão de equipamentos culturais como bibliotecas, museus e teatros, há uma proposta do Governo em cima da mesa que poderá fazer com que a situação se torne padrão, em particular nas grandes cidades, como Lisboa e Porto.
  Em causa está uma versão preliminar de um anteprojeto de decreto-lei, de que o Jornal de Notícias dá conta, e que terá sido apresentado há dias pelo Executivo ao Conselho Territorial, que irá analisar esta proposta de descentralização.
O mesmo jornal adianta que este documento prevê a passagem de competências na “gestão de espaços físicos”, sendo que esta mudança poderá envolver pessoal técnico – que passaria assim a estar sob alçada de câmaras ou associações de municípios – e também escolhas na programação cultural, além da gestão dos espaços».
No Elitário Para Todos já nos tínhamos referido a este assunto aqui, aquando  da proposta de lei do orçamento. Que de tão vaga, daria para tudo ou para nada.
E face a isto, antes do mais, vejamos sobre o Conselho de Concertação Territorial: o diploma de criação - Resolução do Conselho de Ministros n.º 16/2014 de 5 Março. 
Começa assim: «O XIX Governo Constitucional assume a promoção da coesão e do desenvolvimento territoriais como um dos objetivos principais da sua ação. Sem prejuízo da situação excecionalidade financeira e do quadro de obrigações internacionais de ajustamento extraordinariamente exigentes a que o País tem estado sujeito, o Governo tem procurado respeitar a autonomia regional e local, combater os desequilíbrios territoriais e apostar no diálogo e concertação social e institucional. Esses objetivos políticos têm tido concretização na ação governativa, designadamente com o reforço da dimensão territorial do próximo quadro de fundos estruturais «Portugal 2020», no trabalho da Equipa para os Assuntos do Território, com a implementação do «Programa Aproximar » para a descentralização das políticas públicas e para reorganização da rede de serviços públicos desconcentrado, com a Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro, que aprovou o regime jurídico das autarquias locais e o estatuto das entidades intermunicipais (RJAL),e com a revisão dos instrumentos legislativos estruturais do ordenamento do território. (...). Continue a ler. 
E a composição do Conselho, como se pode ver no diploma,  é a seguinte:

E apenas atendendo à passagem do diploma que diz que  «o Governo tem procurado respeitar a autonomia regional e local, combater os desequilíbrios territoriais e apostar no diálogo e concertação social e institucional», a pergunta que se impõe, sobre o aqui em causa neste momento,  pode equacionar-se deste modo: qual é a expressão do diálogo e da concertação na esfera da cultura? Seria interessante (para não se dizer obrigatório) que se soubesse o que faz parte do tal proposta preliminar, quem a elaborou e com que fundamentos.
Ou seja, seria normal ter-se um conhecimento básico do que está em causa, como é próprio das Administrações abertas, em todo o processo. Se é que há um processo. Em particular, olhando para o titulo da notícia, fica a pensar-se no que caberá naquela «gestão do equipamento cultural»...
Mas nesta altura do campeonato, a procissão talvez nem sequer entre no adro nesta legislatura. E com a informação disponível assim deveria ser: o assunto é demasiado importante para que esteja a ser abordado desta forma tão sem forma ... Demasiado GRANDE para ficar apenas nas mãos  de um CONSELHO e, na circunstância, marcadamente institucional. E o que mais irá acontecer à cultura!



sábado, 20 de dezembro de 2014

« (...) não fechem os olhos para a tragédia que é a cultura em Portugal!»



New places, old bones, de São Trindade. Navegar é preciso, “Fernão de Magalhães”, Stefan Zweig (adaptação).
(Destaque nosso) 
 «Desde a sua abertura o Edifício Transboavista tem sido um espaço inovador e influente na cena artística contemporânea, estruturando-se constantemente a um elevado nível nacional e internacional, de maneira a fazer chegar a arte à sociedade.
Em 2015, no âmbito da dinâmica global da arte contemporânea de trocas artísticas internacionais, a Plataforma Revólver tem o privilégio de anunciar que foi um dos premiados do Institut Français de Paris para uma coprodução Franco-Portuguesa, destinada a promover um projecto de exposição internacional no Transboavista, em Lisboa. Paralelamente, o Governo de Espanha convidou a Plataforma Revólver para comissariar e organizar a Mostra Espanha 2015 de arte contemporânea, que acontecerá no próximo ano em Portugal!
Mais do que nunca, a arte (sinónimo de cultura) deve estar no centro das nossas preocupações: neste preciso momento – e não nos parece difícil de generalizar -, na cultura em Portugal nada é realmente sustentável! A produção de arte contemporânea especialmente, está a desvanecer-se; é verdade, estamos mais periféricos e este retrocesso face ao centro é assustador e perigoso. Mas, à actual precariedade segue-se a DGArtes: porque a Direção Geral das Artes não tem nenhuma ideia (mesmo aproximada) sobre arte contemporânea, nem sabe reconhecer o que tem valor e o que não tem. A arte contemporânea significa um profundo buraco negro para a DGArtes; do qual só poderá sair através do conhecimento artístico e da percepção da história; não dependerá apenas do reforço essencial do seu orçamento!
Em 2015, não fechem os olhos para a tragédia que é a cultura em Portugal! E se queremos ser capazes de construir uma sociedade verdadeiramente moderna, mais livre e mais justa, teremos que saber reconhecer o que é importante; atrair conhecimento, criatividade, produzir cultura artística. Nada se encontra mais dentro da realidade que a cultura; e se o papel da cultura se perde, o que a substituirá? Mais precariedade e mais pobreza. Não há outra verdade!». Continue a ler.

segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

«MOSTRA NACIONAL DE JOVENS CRIADORES»




A imagem mostra o titulo de uma notícia do Correio do Minho de ontem, 14 de dezembro de 2014. À primeira vista  muitos julgarão que se trata de um Programa da «área da cultura» da Presidência do Conselho, através da DGARTES. Mas não, é da Secretaria de Estado do Desporto e Juventude como o comprova o subtítulo:

Para saber mais sobre o Programa Jovens Criadores  ir aqui.  Sobre a edição que decorreu nos dias 12 e 13, o  trabalho na integra do Correio do Minho:
 

E pode ouvir-se o Secretário de Estado do Desporto e Juventude neste video.

Face a tudo isto, só se pode estar de acordo e aplaudir a iniciativa, e outras equivalentes, mas ainda que mal se questione, por exemplo, há que saber da relação deste Programa com os demais Programas da Dgartes. No passado, não era a DGARTES que apoiava esta iniciativa?  E que justificação para que neste Programa  os jovens criadores sejam tratados com autonomia, a nosso ver bem,  e na DGARTES têm que ir para «o molho»? E alguém saberá dizer se sempre foi assim? E estas verbas entram nos cálculos  da % do Orçamento de Estado para a Cultura? E dispersos por outros organismos da Administração Central, que não os exactamente ditos da cultura, haverá outros PROGRAMAS no âmbito da cultura e das artes? Quem souber que responda. Aqui no Elitário Para todos só por acaso - mais uma vez um leitor atento chamou a atenção - nos apercebemos da situação. E que tal haver um sitio na internet onde se soubesse de tudo o que há para a Cultura e as artes com intervenção dos nossos impostos? E já que estamos a falar de sites na INTERNET:


DiárioNotícias|Madeira

 E pode ler-se mais, por exemplo,  num artigo online do Público, donde: O novo site designportuguês.pt, nascido esta sexta-feira no âmbito do Ano do Design Português (ADP), tem uma vocação ontológica. “’Quem faz o quê’ é uma das coisas mais importantes a fazer no design português”, diz Guta Moura Guedes, comissária do ADP, a quem o investigador José Bártolo acrescenta um tom de urgência – a página web quer ser “a plataforma de referência na cultura do design em Portugal para sabermos quem somos, o que fazemos, onde estamos”. Um directório-mapa, mas também um espaço para ensaio, crítica e até curadoria». Continue a ler.

E voltemos «à vaca fria»: não há Secretaria de Estado da Cultura. Apenas uma «área» na Presidência do Conselho de Ministros. E por agora, ainda, mais uma perguntinha: haverá alguma maneira de se saber da intervenção global, e de pormenor, da «Economia» na cultura e nas artes, e de como se pode aceder aos potenciais financiamentos?  É que se pode concluir: tanta informação e tão mal informados que se anda no que à cultura e às artes diz respeito! Não é preciso pensar muito para se dizer que  há necessidade de se cruzar muita informação para se saber da «transversalização» da cultura nas Administrações Públicas, no passado, no presente e para o futuro.

quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

DIRETOR ARTÍSTICO DO TEATRO SÃO CARLOS | Como diz o humorista «não havia necessidade ...»


Paolo Pinamonti estava vinculado ao São Carlos desde 1 de janeiro, mas a sua situação fiscal, dívidas à Segurança Social no valor de 14 mil euros, por resolver até outubro, impediu-o de assinar contrato com a entidade que administra aquele teatro /  Nuno Botelho
A notícia de ontem: 

Paolo Pinamonti demite-se do São Carlos



A lei espanhola ditou o destino do conselheiro artístico do Teatro Nacional de São Carlos. O musicólogo italiano acumulava o cargo com o de diretor do Teatro de La Zarzuela, em Madrid, o que em Espanha é considerado incompatível. Continue a ler.

E qual será a surpresa? Nenhuma, apenas um certo embaraço, serem outros a dizerem-nos o que devia ser óbvio para quem nos governa do topo à base. E é evidente que a limitação jurídica apenas dá corpo ao que é eminentemente artístico relacionado com a identidade de um Teatro. E é quase do domínio do senso comum. Mais: o Teatro de La Zarzuela pratica o que está estipulado (não o devem ter revogado)  também para o Teatro de São Carlos (ver imagem abaixo), ou seja, o que é incompatível em Espanha também o é em Portugal. Melhor,  é regra por esse mundo fora.
E o fundo da questão: um Consultor não pode substituir um Diretor Artístico ... e um Diretor Artístico  não o pode ser em «outsourcing» e em «part-time»  ... Pois é, podiam-nos poupar  a estas cenas, também elas reveladoras da situação a que a Cultura chegou no nosso País pelo lado institucional. Há também por aqui «um chico-espertismo» que causa, no mínimo, desconforto, mas chega à náusea. E claro, custa ver pessoas que nos habituamos a admirar metidas nestes enredos. Pois é, «não se pode montar dois cavalos ao mesmo tempo».
 

terça-feira, 9 de dezembro de 2014

NOS 40 ANOS DO AR.CO | Filmes | «O Tempo Melhorado» + «O Indispensável Treino da Vagueza»


«No contexto do aniversário dos seus 40 anos, o Ar.Co encomendou os dois filmes que a sessão reúne. Estreado mundialmente no recente DocLisboa, O INDISPENSÁVEL TREINO DA VAGUEZA é assinado pela dupla Filipa Reis e João Miller Guerra: “O Ar.Co é uma geografia de cada um, foge à normalização.

A experiência é individual. Este filme é a minha, a nossa experiência. Construído a partir do arquivo da escola, de aulas gravadas do Curso Avançado de Artes Plásticas e de conversas caseiras” (João Miller Guerra). O TEMPO MELHORADO é um filme de João Dias: “No centro do ensino, antes mesmo de qualquer valor, está um 'efeito'. Por isso se pode dizer que a escola é antes de mais, uma questão de acústica (...). Um filtro, um certo silêncio, amplificações específicas” (Manuel Castro Caldas)».


Ante-estreias

No próximo dia 12 de dezembro | 21H30 | sala M. Félix Ribeiro
 com a presença de Filipa Reis, João Miller Guerra e João Dias

Cinemateca Portuguesa-Museu do Cinema
Lisboa

domingo, 7 de dezembro de 2014

LUIS SEPULVEDA | «Lisboa no es rentable»


 
 
 
 
Foi publicado no Facebook, e nós fomos buscá-lo aqui:
 
«Hace muchos tiempo que no publico un poema, y aquí va uno dedicado a mis amigas y amigos de Lisboa».

 
Lisboa no es rentable
 
El viejo tranvía de Lisboa no es rentable...
ni los versos de Pessoa que leo con la misma lentitud
con que sube hasta el barrio alto.
Dejó de ser rentable la mesa de billar
en el Pabellón Chino y sus colecciones imposibles
tampoco son rentables.
Los árboles de la avenida de las Libertades en verano
las vendedoras de castañas en la rua Augusta
las historias que me cuenta el viejo Tejo
todo eso dejó de ser rentable.

El vino tranquilo de los portugueses no es rentable
los claveles de Abril tampoco son rentables
la solidaridad social de La Morería
¿cómo va a ser eso rentable?
La voz de José Afonso no es rentable
la serena nostalgia del fado
los lentos trenes que llegan a Santa Apolónia
y los ascensores que suben a Chiado
todo eso dejó de ser rentable.


Los banqueros decidieron que los sueños
que son parte de la vida vivida honestamente
que los músculos que lo levantaron todo
que los cerebros que lo imaginaron todo
que todo eso y más que eso, no es rentable.
Entonces impusieron la mezquina moral del usurero
para que el hedor y el virus, el miedo y la parálisis
la traición y la infamia
sean por cierto asuntos muy rentables.


Pero aún quedamos nosotros los tercos
los porfiados que no pedimos más que sombra al árbol
y al pájaro la levedad de su canto
y a la calle que nos lleve hasta una puerta amable
y al vino su oscuridad luminosa de amigos
y al niño la efímera alegría de su paso.


Nosotros el plural de los que podemos
vivir con tranvías lentos y trenes que llegan con retraso,
nos basta una luz, una sola para leer un verso,
un amor, uno solo para ser la humanidad
un día, uno solo y fundamos la existencia
y no nos importa si todo esto pueda ser o no rentable.


Luis Sepúlveda

sábado, 6 de dezembro de 2014

URBANO TAVARES RODRIGUES: foi bonita a homenagem



Divulgámos a inicitiva de homenagem a Urbano Tavares Rodrigues que terminou há pouco. Estivemos lá, e a quente,  houve simplicidade, beleza, inteligência. Sabedoria.  E não era para menos. De facto, numa mesma ocasião, participantes de luxo, entre eles, de memória: Nuno Judice, Manuel Gusmão, Mário de Carvalho, Maria João Brilhante, Maria Helena Serôdio, Modesto Navarro, José Jorge Letria (que mandou mensagem), José Manuel Mendes, ... E ouviu-se Adriano Correia de Oliveira na «Margem Sul» de Urbano Tavres Rodrigues. Uma homenagem para especialistas, e para todos. E houve muito mais. No fim, apetece ir ler ou reler os seus livros, continuar a saber  do escritor e cidadão empenhado. Ele que se espantava com a vida, continua a provocar espanto! E encanto. Politicamente, inspirador.  Através de quem o estuda e conheceu.  Terminou com o cante do seu Alentejo: Grupo Coral da Liga dos Amigos da Mina de São Domingos. Enfim,  momentos privilegiados, daqueles que  sentimos, de certo modo, irrepetíveis. 
 
 
 


 

quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

DOIS EM UM | O Estudo «Creating growth /Measuring cultural and creative markets in the EU» | E o Artigo de José Jorge Letria em Torno do Estudo






Acaba de ser lançado mais «um primeiro» estudo sobre as Indústrias Culturais e Criativas - o da imagem. Melhor, sobre os Mercados Criativo e Cultural  na União Europeia. Designação que dá transparência, e é de aplaudir: é sobre o «mercado».  E aqui estamos nós, como é costume, a divulgá-lo e com algumas das notas usuais:

- Indústria é indústria, nada contra, antes pelo contrário, e as indústrias ditas «culturais e criativas» devem ter  o tratamento que é comum a todas as indústrias, e o que lhe é especifico, nomeadamente em termos de apoios estatais;

- Atentar no «caldeirão» que as Indústrias Culturais e Criativas são, que leva a concluir que tudo é Cultura. E embora estejamos com os que sublinham que a CULTURA está para lá da CULTURA ARTÍSTICA é evidente que o grande «caldeirão» desvia as atenções do SERVIÇO PÚBLICO EM CULTURA que não é indústria. Lembremos os sectores considerados, por exemplo,  através do índice da publicação:

- Depois, não se pode deixar de continuar a reparar na dificuldade que há em elaborar estudos destes. Dada a falta de estatísticas adequadas, exigem tanta «mão-de-obra» dos autores que para alguém se inteirar convenientemente dos alicerces do trabalho teria, bem vistas as coisas, que fazer um outro estudo. E certamente estaríamos, depois, uma vez mais, perante «um novo estudo».  Pode ler-se no documento:

«Data collection
Because reliable aggregated statistical data were
unavailable, we have adopted a “bottom-up” approach in
this study. Where aggregated data do not exist, the study
has constructed reliable estimates based on interviews
with key organizations, sector publications and ad hoc
statistical materials as well as verified market assumptions.
Data collection relies primarily on reliable industry
sources at national, European and global levels — see
bibliography for further details. With regard to turnover
data, we primarily used market research analyses and
Eurostat as complementary sources of statistics». 

Bom, agora, o artigo de José Jorge Letria O que a cultura trouxe a Bruxelas - em torno do estudo, no jornal Público de hoje, e disponível também online. A nosso ver, só a abertura já vale a leitura, mas  tem mais, dá-nos uma visão global do conteúdo do trabalho. O início:

«Erra quem pensar que a cultura fica privada de relevância política e de influência social se não afirmar, como pressuposto básico, a sua expressão económica e a sua capacidade de criar riqueza, emprego e coesão social. No entanto, a evidência dessa realidade agiliza o debate com as forças políticas e a indispensável comunicação com a opinião pública, para quem, muitas vezes, a cultura é tida como um território secundário, subalterno e menor quando falamos de recuperação económica e da confiança que as comunidades devem ter no futuro, caso desejem encará-lo com combatividade e energia.
Basta pensarmos em poetas portugueses como Cesário Verde, António Nobre e Camilo Pessanha, autores de um só livro lido por muito poucas pessoas à data da publicação, para percebermos até que ponto obras de escasso mercado mudaram a vida literária e cultural dos seus países. Muitos outros exemplos igualmente eloquentes poderiam ser dados,
 mas estes têm valor de sobra para se perceber que nem só o que cria riqueza e emprego tem o direito de erguer os olhos para o céu em busca de uma luz que, em regra, lhe é recusada». Continue a ler.

Para terminar: na cultura e nas artes, avante com a INDÚSTRIA, avante com O SERVIÇO PÚBLICO. E sem este aquela terá a vida dificultada. E, claro,  venham mais estudos! 



segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

HOMENAGEM A URBANO TAVARES RODRIGUES | Dezembro | 6 | Pelas 14:30H | Biblioteca Nacional | Lisboa



E já homenageando, voltemos ao post que fizemos  aquando da sua morte onde se pode ler o  último texto que Urbano Tavares Rodrigues  escreveu para a revista EGOISTA:

«As vozes da Natureza

A transparência do orvalho gemia no meu esquecimento de mim, tornava-me todo eu atenção ao saltitar das rãs amanhecendo na clara alegria do tanque grande.
O meu sangue cantava na ondulação das folhas da figueira.
Agora estou nascendo a toda a volta de mim no riso verde das searas, na brisa que se quebra contra a rude a
talaia, sobranceira ao rio com seu açude e seu moinho árabe, e sacode as franjas de silêncio nos altos choupos onde as cegonhas fazem ninho, nos pegos de eu nadar quando a Páscoa aquece as águas.
E ouço os meus segredos mais secretos no gemer das oliveiras e chaparros, meus tão íntimos parentes. E a ternura das sombras estende-se, para lá do rio e das suas narcejas, pelos ermos da Deveza de São Brás até ao Guadiana.
A frescura do silêncio cai um instante sobre as lavradas e as folhas onde o meu ser se recria.
Comecei muito cedo a ouvi-las, as vozes da natureza.
Conheço-as desde que tenho memória de mim. Depois houve a doença, que me impedia de sair do «monte» e, quando melhorei um pouco, conseguiram que eu fizesse a primeira comunhão, mas nunca acreditei naquele inferno que me pintavam e continuei a fugir de casa e embriagar-me de luz, a correr ao lado dos rebanhos de vacas e ovelhas nesse meu regresso à natureza, de que me sentia pertença.
Foram o azul profundo das noites estreladas e o que o vento e as nuvens diziam aos meus ouvidos que fizeram nascer em mim palavras que depois naturalmente começaram a escrever-se.
Da pobreza e do sofrimento dos trabalhadores que me rodeavam só mais tarde me apercebi e senti a necessidade de lhes dar voz por entre as vozes da natureza e pela estrada da vida fui andando com eles no pensamento e nos actos.
Nas ruas de Lisboa e de outras cidades onde não entra o sol de Inverno, tapado por altos edifícios, experimentei a saudade profunda dos descampados alentejanos, das vozes do rio e da tristeza dos homens, dos seus cantares. Levei-os comigo para França e para o mundo, para as aulas que dei e até para as prisões onde os meus ossos enregelaram.
O livro é palavra de combate, mesmo quando não parece sê-lo, se apenas nos mostra os homens nas suas fainas e penas.
Assim continuarei sempre a escutar as vozes da natureza e a dar delas notícia».