Agora, abaixo, o testemunho de Sérgio Ribeiro - grande figura, para muitos economistas quase lenda -, a nosso ver, um relato de que é preciso falar a «toda a gente». Homenagens intemporais reclamadas pelos dias que passam ...
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«(...) No dia 19 de dezembro de 1961, eu estava na célula dos economistas. Uma célula formada por cinco ou seis economistas com um camarada clandestino que nos controlava - era o termo, sem nada de pejorativo - que controlava o nosso trabalho. Tive primeiro o Ângelo Veloso, depois tive o Pires Jorge. No dia 19 de dezembro de [19]61 o nosso controleiro era um camarada, que eu não sabia o nome - sabia o pseudónimo, mas só sabia o pseudónimo. E combinou-se um encontro para discutirmos, em dezembro de [19]61 o orçamento de estado, vejam lá, o orçamento de estado daquela altura.
Eu esperei por ele à hora marcada, eram oito da noite, numa transversal à Rua dos Lusíadas. Ele não apareceu. Eu fiz aquilo a que se chamava a hora do recurso. Fui dar uma volta, o mais larga possível e uma hora depois estava à espera. Não apareceu. Era o José Dias Coelho. Foi assassinado quando vinha ao meu encontro, na Rua da Creche. O que só soubemos muito mais tarde, muitos dias – três, quatro, cinco dias mais tarde, uma semana. A morte desceu à rua [referência a "A Morte Saiu à Rua", de Zeca Afonso] foi um episódio muito marcante, porque aquele camarada que eu estava à espera, que não tinha nome, tinha um pseudónimo, vim a saber que era um homem como o José Dias Coelho - um escultor, um artista enorme e um homem ainda mais enorme do que artista. E que foi assassinado quando vinha ao meu encontro. Foi um episódio que, como é evidente, reforçou essa tomada de consciência - que perguntou como é que ela se foi formando. Foi-se formando! E, para mim, o dia 19 de dezembro de [19]61 é um dia muito marcante. Nunca esqueço esse dia - eu lembro esse dia em muitos outros dias.
Eu fazia parte de uma célula de jovens economistas que tínhamos como tarefa, entre muitas outras daquelas tarefas formais de organização, que todos tínhamos - de quota, de organização, dos protestos - tínhamos a tarefa de informar os camaradas do partido que viviam na clandestinidade com pareceres, com opiniões de economistas.
Éramos jovens economistas e, concretamente, nessa reunião marcada com o José Dias Coelho era para conversarmos sobre o orçamento de estado. O orçamento geral de estado que era a nossa ferramenta profissional. Para mais numa altura em que tinha rebentado a guerra colonial, no princípio do ano, era importante saber nessa altura como é que essa guerra colonial, essa decisão de Salazar de ir para Angola em força se repercutia no orçamento de estado - era uma das coisas. Entretanto havia o plano de fomento. O plano de fomento tinha sido criado em [19]53, primeiro. O segundo foi em [19]59 ou [19]63. Era estudar o plano de fomento, ver como é que ele servia, ou não servia, aos problemas dos portugueses e dar a nossa opinião. Isto era um aspeto específico. O aspeto geral político acompanhávamos como qualquer militante do partido, com estas especificidades relacionada com a nossa profissão. (...)». Veja aqui.
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naturalmente, hoje



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