Tirado do Semanário Expresso
Já que estamos em atmosfera «Prémio Pessoa» lembremos que Luís Miguel Cintra o foi em 2005. Entretanto, o Teatro da Cornucópia fechou, mas vem mesmo a calhar temos CANJA DE GALINHA (COM MIUDOS), um Projeto de Luís Miguel Cintra, que pode ser visto no Museu da Marioneta. Veja aqui.E esta entrevista na Agenda Cultural Lisboa. Não, não temos a Cristina Reis. Um excerto da entrevista: «(...)Já voltou à sua antiga “casa”, o Teatro do Bairro Alto desde a reabertura?Não sei se lá irei tão depressa.Razões sentimentais? Não, não. É desconcerto mesmo. Passaram-se coisas que deixaram uma
ferida muito grande e que prefiro nem falar. Há um lado absurdo e de
injustiça, não para connosco, mas, sublinho, para com o público. Era uma
casa de espetáculos única, a última onde ainda se faziam cenários,
guarda-roupa… De um momento para o outro, tudo se desmantelou e, hoje,
tem um objetivo oposto ao nosso. Se começo a falar nisso fico mal
disposto…… Não quero que perca o seu bom humor. Mudemos de assunto… Ainda vai regularmente ao teatro? (...)»
.
. .
E em 2012 na sua qualidade de Prémio Pessoa, Luís Miguel Cintra participou na Conferência que Portugal Queremos daqui a 25 anos. E na altura sobre a iniciativa de um dos posts do Elitário Para Todos de seguida - já que o momento, a nosso ver, o reclama:
«25 ANOS DO PRÉMIO PESSOA: QUE PORTUGAL QUEREMOS DAQUI A 25 ANOS?
«Voltemos então, como prometido no post anterior,
à Conferência Que Portugal Queremos daqui a 25
anos? Com o texto da intervenção de Luís Miguel Cintra e
com o video sobre o Painel em que participou, que teve mais os
seguintes intervenientes: José Gomes Canotilho, Mário Cláudio, Manuel
Sobrinho Simões, Irene Pimentel. O moderador foi Nicolau
Santos. De seguida, apenas alguns excertos, como que
chamada de atenção para a apresentação completa e para todo o debate:
«Que Portugal queremos daqui a 25 anos?
É desconcertante para mim o tema deste
debate. “Que Portugal queremos daqui a 25 anos?.” A pergunta, na sua aparente
ingenuidade, quando lhe tentamos responder, levanta a cada palavra tanta
questão complexa que com certeza garantirá uma animada conversa, mas não pode
chegar, nem com certeza aspira, a nenhuma útil conclusão.
Não me passa pela cabeça que esta primeira
pessoa do plural possa ser o conjunto dos portugueses. Não creio haver neste
momento, nem nos tempos de que me lembro, qualquer sentimento de unidade
nacional que permita reconhecermo-nos num mesmo desejo comum para o país em que
vivemos e onde a maioria de nós terá nascido e que se chama Portugal. E tenho
muitas dúvidas de que o desejo de cada um dos portugueses passe pelo desejo de
termos um país assim ou assado ou cosido. Coisa que aliás não será necessariamente
negativa. E bem se entende que muitos não gostem particularmente de ser
portugueses. Quantos portugueses têm o país que eventualmente quiseram há 25
anos atrás? (...)
Mas parece que melhorámos e nas artes a internacionalização é agora prioritária fora da Europa. Mas quem não dança um samba ou um funaná, fica de fora, porque nem o ex-mundo português percebe o que falamos. (...)
Mas parece que melhorámos e nas artes a internacionalização é agora prioritária fora da Europa. Mas quem não dança um samba ou um funaná, fica de fora, porque nem o ex-mundo português percebe o que falamos. (...)
Sou uma mistura de basco, francês, inglês e
português, nascido em Madrid, comecei por falar castelhano, o que me interessa
é conhecer os outros diferentes de mim, e sobretudo que toda a gente seja
feliz, todos e cada um. E não estou a desconversar. O assunto é grave. Gostava,
como toda a gente, de ser mais feliz. O trabalho dos nossos “representantes”
eleitos, é trabalhar para que isso aconteça. Algum deles se lembrará? Eles sim,
têm de saber o que queremos para daqui a 25 anos, não podem escapar à pergunta,
porque para isso lhes pagamos. São “representantes” dos portugueses, divididos
por grupos, é certo, e reduzidos a percentagens. Mas a sua competência depende
de saberem responder à pergunta que aqui nos é feita. E todos terão pensado
nisso? É logo aí que, para mim a porca torce o rabo. (...)
Tenho 63 anos. Já pouco importa para mim o
que quero para daqui a 25 anos. O que me faz aqui estar não é com certeza dizer
aos outros que quero ter um país diferente daqui a 25 anos. Se não o tive até
agora, não acreditam com certeza que com 63 anos eu acredite que me vão fazer a
vontade quando tiver 88. Se Deus ainda me der vida com essa idade hão-de
concordar que ter um país assim ou assado ou cosido será com certeza
completamente secundário. E pouco interesse terá dizer-vos que quero um serviço
de saúde decente, ou melhores transportes públicos. Querê-lo-ia qualquer
cidadão em qualquer país. Ou até que mais especificamente quero que aos 88
anos, se lá chegar e não estiver já privado das minhas melhores faculdades,
porque casos de longevidade criativa, como o de Manoel de Oliveira vão sendo
cada vez mais raros, veja finalmente reconhecido o meu trabalho e o de outros
artistas, como de interesse público por um financiamento pelo Estado que me
permita fazer teatro não comercial em melhores condições do que até aos 63 quis
ter e não consegui.
Mas gosto de viver e quero que depois de
mim a vida seja cada vez mais prezada. Só queria que daqui a 25 cada um fosse
mais livre de querer do que nós somos. E tivesse mais liberdade de saber e
fazer o que quer. E que todos percebessem como a sua liberdade de pensar, de
escolher, de construir a sua vida, passa por um respeito pelo ser humano e por
si próprio que passa por exigir conhecer como a vida e os homens podem ser
diferentes disto. Passa pela construção única e pessoal de vidas diferentes
para cada pessoa. 25 anos não é muito tempo. Os premiados que aqui estamos,
suponho que todos já o andamos a tentar há mais tempo e ainda pouco
conseguimos. Duas coisas deviam ser prioritárias para a nossa felicidade num
novo conceito de liberdade que passa pelo respeito pelo outro: a total mudança
do sistema de educação e a prioridade na responsabilidade pública para a
chamada vida cultural de toda a gente, gastos não lucrativos, a fundo perdido,
se a medida é o dinheiro, e independentes das leis do mercado. Creio felizmente
que já muitos descobriram que nem vale a pena sujar as mãos e que o que importa
é um regresso aos valores humanísticos capazes de voltar a conceder aos
indivíduos a liberdade de ousarem ser quem querem ser, sabendo o que fazem e
orgulhando-se de um novo sistema político que corresponda de facto à sua
vontade.
Aos 63 já se percebe que só há uma razão:
ser feliz. E que só serei feliz quando todos o formos, e que só o seremos
quando estar com os outros for reconhecer o outro como outro eu, tão livre como
eu teria gostado de ser. Gostaria que em 25 anos se conseguisse construir um
sentido da responsabilidade individual que acredito ser indispensável para se
ser feliz. Com o meu trabalho é para isso que tenho tentado contribuir. E foi a
tentar que encontrei a felicidade possível. Luís Miguel Cintra.
Pode ler a intervenção
completa, o texto está disponível aqui».
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