Excerto: «(...)Nós (Eu) não queremos ser orgulhosamente sós como proclamava o defunto fascista Salazar, quando a terra lhe ia fugindo debaixo das polainas, mas orgulhosamente diferentes porque o mundo nos respeita. Um país sem cultura, melhor, sem arte própria é um caixote de lixo, como dizia justamente um velho escritor. O bom cinema português é o da composição, o do tempo, o do pensamento, o da escolha e da inquietação. Que o movimento, os efeitos, o fingimento, a alienação mesmo divertida, o negócio e o consumo fiquem para outros.
Já lá vão uns anos: a primeira e violenta discussão que eu tive com o qual secretário da cultura e audiovisual aconteceu no canal que ele na altura era proprietário, quando incrédulo ouvi a ele e outros dois comparsas ridicularizar um dos mais belos planos do cinema português, o magnífico traveling de Fernando Lopes para o seu “Uma Abelha na Chuva”. E contrapunham a grandeza extraordinária das comédias portuguesas dos anos 30 e 40, para eles o apogeu do cinema português. Essas comédias não traziam uma única ideia de cinema (quando havia Renoir, Ford, Stroheim, Stenberg, Lubitch e por aí fora a elevarem o cinema para patamares artísticos inacreditáveis) e ficaram famosas por frases que começavam invariavelmente por “Ó”: Ó Evaristo, tens cá disto?, Ó palerma, chapéus há muitos!, Ó Dona Rosa a sua tia chegou do Brasil!, etc. , eram a extraordinária contribuição artística. Grandes actores, verdade indesmentível, vindos do teatro ou da revista, obrigados a dizer textos ridículos em enredos medíocres! E é preciso dizer, ao contrário do que as pessoas pensam, que estes filmes nunca se pagaram nas salas, nunca deram lucro. Eram pagos pelo SNI de António Ferro e faziam parte da propaganda fascista do Estado Novo. Já eram “subsidio-dependentes”, portanto.
Nenhum filme português, um com mais desejos comerciais, outros com mais ambições artísticas, jamais se pagou no dito “mercado”. E provavelmente, os que perderam menos dinheiro, foram os de Manoel de Oliveira (ontem) e são os de Pedro Costa (hoje). E desses eu tenho orgulho porque afirmam uma liberdade que não tem preço.
O ICA depende do Ministério da Cultura e não dos ministérios do Comércio ou da Indústria (todos os produtores portugueses, sem excepção, são meros gestores de dinheiros públicos) e existe o ICA para defender o cinema português.
A segunda e grave confrontação com o actual Secretário de Estado, teve a ver com a tentativa que ele e o seu sócio, ou pelo menos amigo, José Pinto Ribeiro, na altura Ministro da Cultura, fizeram para esvaziar os fundos do ICA (e prometiam também uns fundos vindos do Ministério da Economia ou da Indústria) para criar uma grandiosa fábrica de argumentos em volta das Produções Fictícias era o chefe. Em seguida escolheriam eles os “eleitos” para passarem ao cinema esses magníficos argumentos. Exposta, a tramóia foi travada a tempo. Todos sabemos que uma boa história é melhor do que uma má, mas não chega. O mesmo argumento entregue a dez cineastas diferentes, dá origem a dez filmes diferentes, garanto-vos. O cinema é o modo de filmar a historias, não é sequer o que se passa, nem quando se passa, mas o como se filma. Querem um exemplo? O grande Alfred Hitchcock a partir do policial verdoso 39 degraus fez três filmes magníficos!
Adiante, chegamos a esta e última e mais grave confrontação. Mais interessado sem ser amigo das VOD do que do cinema português, teve o descaramento de contratar uma empresa de consultoria inglesa para, em inglês, expor aos cineastas e produtores portugueses o modo como todos se deveriam comportar daqui em diante. Revolta e abandono ao fim de alguns minutos. O que ele conseguiu? Nada. Depois de muitos e justos protestos, vem agora oferecer para ficar na Lei , a esmola de 1% do volume de negócios das VOD para o apoio do cinema português, talvez um milhão de euros. Sabem a quanto pode chegar o pacote que essas empresa vão ter de pagar em França? 400 milhões de euros! Será o número de assinantes franceses 400 vezes maior do que o número de assinantes portugueses? 10 vezes talvez. 400 nunca. A directiva europeia deu mão livre aos estados para negociarem essas taxas. Seremos nós menos europeus? Ou europeus mais ridículos e mais estúpidos? (...)».