Em ambiente de discussão do financiamento às artes faz sentido olhar para uma intervenção da nossa saudosa Fernanda Lapa: centra-se no espaço ocupado pelas mulheres na cultura e nas artes.Assunto que noutros paises é devidamente estudado para que possa haver politicas públicas plenas. Um excerto:
«(…) Sou, sobretudo, uma mulher das Artes de Palco e em 1995, em colaboração com outras mulheres de Teatro resolvemos criar uma Companhia que rompesse com o estado de coisas a que estavam remetidas as mulheres no teatro português. Quase nunca nenhum texto de autoria feminina era representado, havia pouquíssimas encenadoras e estas ficavam na maior parte dos casos sempre à espera de serem convidadas pelos Directores das Companhias. A maioria das peças representadas davam da mulher imagens estereotipadas ou idealizadas e os elencos eram maioritariamente masculinos. As actrizes esperavam ser convidadas e nunca tinham hipótese de escolher os textos que gostariam de representar. Na maior parte das Companhias as mulheres tinham funções de secretariado, eram bilheteiras, costureiras ou empregadas de limpeza. Havia muito poucas mulheres em funções técnicas, tais como Luminotécnica, Sonoplastia, construção de Cenários, etc., profissões tradicionalmente masculinas.
Resolvemos, pois, como já disse, criar a Escola de Mulheres-Oficina de Teatro, companhia que privilegiasse o trabalho feminino e desse da mulher uma imagem consentânea com a realidade. A recepção desta Companhia por parte dos poderes públicos foi, desde logo, hostil. No primeiro pedido de apoio junto da Secretaria de Estado da Cultura (PSD) nem sequer obtivemos resposta. Só após o primeiro espectáculo apresentado a convite da Fundação Gulbenkian conseguimos ter algum eco junto da Comunicação Social e, consequentemente do poder político.
23 anos após a criação da Companhia continuamos a ser a estrutura menos financiada dos chamados apoios sustentados, sem hipótese de divulgar o nosso trabalho visto os custos de publicidade serem incomportáveis e em consequência disso, ficando cada vez mais invisíveis. Apesar de todas as campanhas ministeriais, em prole da igualdade de género, é impossível alguém afirmar que ela existe no teatro português. Desde a criação da nossa Companhia, algumas outras de iniciativa feminina foram nascendo, uma ou outra foi crescendo, mas nenhuma com apoios sólidos e, no último Concurso vimos desaparecer três delas, sendo que a Directora da mais antiga até tinha recebido, em 2017, a Distinção Mulheres Criadoras de Cultura na categoria Teatro, da CIG.
O exemplo do teatro repete-se nas várias áreas da Cultura.
Cultura é perversamente confundida com entretenimento ou Indústria Cultural e as televisões fazem isso muito bem. Vemos muitas mulheres, na maior parte jovens e bonitas, repetindo clichés e apresentadas nos vários canais como mulheres da cultura e da arte. Vemos, por outro lado, as jovens artistas no desemprego ou subemprego, obrigadas a aceitar trabalhos que as não dignificam como criadoras – como referia uma jovem colega, a necessidade de encher o frigorífico sobrepõe-se à opção de escolha, e por tudo isto somos obrigadas a repetir até à exaustão – Minhas amigas temos de dar a volta a isto.
Todos nós temos de reivindicar o direito à Cultura, à Criação e à fruição da Arte. E aí, como em todas as esferas da nossa sociedade, as mulheres não podem ser tratadas como cidadãos de segunda. As mulheres são inquestionavelmente a maioria na área da cultura em Portugal. Continuam a não existir estudos e diagnósticos, que tornem visível a dimensão da sua ocultação, das consequências das políticas realizadas na área da cultura, na renovada desvalorização das suas competências e saberes e postos em causa o seu estatuto e os seus direitos.
É preciso ter consciência que não só perdem estas mulheres, enquanto criadoras de cultura, mas perdem todas as mulheres portuguesas no seu direito à fruição cultural. Perde o País! (…)». Leia na integra.
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