sábado, 23 de fevereiro de 2013

«PARA QUE SERVEM POETAS EM TEMPOS DE INDIGÊNCIA?»

 
Acabo de chegar da conferência da imagem, organizada pelo Movimento APELO. As pessoas envolvidas, muitas delas que há muito me habituei a respeitar, e algumas  por quem tenho verdadeira admiração, levaram a que  com facilidade tivesse aderido ao convite. Mas, diga-se, sem grandes expectativas. Seria mais uma conferência, certamente útil, mas não mais do que isso. Pois bem, para mim foi  uma boa surpresa. De repente,  cultura,   poesia e poetas pairavam por ali, em tudo! E tivemos aquelas intervenções, escritas, dos mais velhos, em que se percebia que cada palavra e sentido tinham sido ponderados, e a escrita cuidada, o que  em tempos  onde,  por vezes, estas coisas são tão negligenciadas sempre me emociona. Certamente que o Movimento fará com que o que foi dito seja fixado de qualquer forma e divulgado, mas não vou esperar para, desde já, remeter para a sumula  de algumas das intervenções que estão no seu site, sublinhando a adesão à de Joana Manuel, atriz, lá, no auditório.  Pela minha parte tenho de referir a de José Tolentino de  Mendonça -   padre, professor e poeta -  com «A situação da Cultura em Portugal». Uma boa base para um manifesto cultural, pensei. (Eu que ontem tinha estado na Cornucópia a ver  O ESTADO DO BOSQUE precisamente de José Tolentino de Mendonça estava particularmente disponível).  Nada especialmente novo, mas o pensamento organizado e o ambiente aberto que se respirava era o certo para o que estava a ser dito nos tocasse. Por exemplo: «A sociedade tem necessidade de artistas da mesma forma que precisa de cientistas»; «O económico não pode ser um valor absoluto»; «Vivemos sepultados no campo económico» ; «Momento para se reafirmar o lugar da cultura»; ... E chegou o ponto em que Tolentino de Mendonça lembrando  Friedrich Hölderlin lançou: para que servem poetas em tempos de indigência? E foi dizendo: mostrar a falta como falta; já não damos pela falta; iluminar a falta como falta. Isto é uma existência diminuida.
Por fim, reparei que havia muita gente nova e, a meu ver,  com intervenções sólidas. Tudo junto,  saímos com outro ânimo! 
 
 
 
E já que nos levaram até Hölderlin, para terminar: 
 
Mas nós, amigo, chegamos demasiado tarde. Certo é que os deuses vivem,
Mas acima de nós, lá em cima, noutro mundo.
Aí o seu domínio é infinito e parecem não se importar
Se estamos vivos, tanto nos querem poupar.
Pois nem sempre pode um frágil vaso contê-los,
O homem apenas algum tempo suporta a plenitude divina.
Depois toda a nossa vida é sonhar com eles. Mas os erros,
Tal como o sono, ajudam, e a necessidade e a noite fortalecem,
Até que haja suficientes heróis, criados em berço de bronze,
De coração corajoso, como dantes, semelhantes aos Celestiais.
Depois eles chegam, trovejantes. Entretanto penso por vezes
Que é melhor dormir do que estar assim sem companheiros,
Nem sei perseverar assim, nem que fazer entretanto,
Nem que dizer, pois para que servem poetas em tempo de indigência?
Mas eles são, dizes, como sacerdotes santos do deus do vinho,
Que em noite santa vagueavam de terra em terra."

Friedrich Hölderlin, "O Pão e o Vinho", in Elegias, trad. Maria Teresa Dias Furtado. Lisboa: Assírio & Alvim, 2000, 7: p. 75
 

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