«Vivemos num tempo de descrença. Não é o
primeiro nem será o último na História das Civilizações, porque a mudança
histórica, embora permanente, se processa a um ritmo irregular, numa sucessão
de tensões e distensões, que mesmo sem nunca verdadeiramente se repetirem na
sua essência parecem obedecer, apesar disso, a uma alternância pendular inevitável
entre períodos de estabilidade e momentos de ruptura. Claro que estas etapas
nunca são estanques, numa perspectiva de tempo longo: sob a capa aparente da
estabilidade vão germinando os fermentos de mudança que hão-de conduzir à
ruptura, e mesmo as rupturas que se anunciam como mais radicais inevitavelmente
conduzem a uma nova ordem em que afinal renascem muitos dos traços da que
pretenderam derrubar, porque as constantes da natureza humana triunfam sempre
sobre os pressupostos ideais das grandes narrativas ideológicas e políticas.
Mas essa continuidade última no plano macro-histórico não impede que possamos
identificar fases mais ou menos prolongadas de relativo consenso social em
torno de um conjunto de valores partilhados e, pelo contrário, conjunturas de crescente quebra de confiança
face a esses mesmos valores, que em devido tempo levarão a novas rupturas, a
que sucederão novas estabilidades, e assim por diante. O âmbito e as
coordenadas específicas desse movimento pendular diferem, é verdade, de cada
momento histórico para o seguinte, mas a alternância fundamental entre
estabilidade e ruptura, confiança e dúvida, consenso e conflito, essa parece
manter a sua recorrência implacável.
O nosso tempo de dúvida, de desconfiança
e de descrença não é, por isso, original, mas nem por isso, como todos os que o
antecederam, se revela menos angustiante para quem o vive. Pelo contrário, tem
até características próprias que tendem a agravar consideravelmente essa
sensação de angústia perante as incertezas do futuro. Por um lado, porque se é
verdade que a mudança histórica é permanente, o ritmo a que se processa não o é,
e porque os avanços científicos e tecnológicos das últimas décadas precipitaram
vertiginosamente a velocidade de transformação da realidade material em que
vivemos. O advento da era digital, as novas tecnologias da informação, e o
desenvolvimento da robótica, das nanotecnologias e da automatização estão a
mudar radicalmente os nossos sistemas produtivos e a tornar gradualmente
obsoletas muitas das categorias profissionais que nos habituámos a reconhecer. Por
outro lado, porque gerações sucessivas, desde a vitória das forças democráticas
na II Guerra Mundial, foram formadas numa crença inabalável no progresso
colectivo, na irreversibilidade dos avanços civilizacionais, na generosidade
inesgotável dos sistemas de Segurança Social, na generalização imparável da
sociedade da abundância, e simplesmente no princípio reconfortante do direito
adquirido à ascensão social e à certeza de que a geração dos seus filhos teria
acesso a uma vida melhor do que a dos pais.(...)». Continue a ler.