Abril de escravos mil?
Comemorar como quem põe mais um prego no caixão é recusar a
potência inscrita de liberdade, justiça e igualdade que Abril trouxe e que
existe tão intacta quanto tem vindo, de novo, a tomar a forma de um desejo
colectivo como o prova a manifestação abrilista de 15 de Setembro de 2012. Em
Portugal deseja-se um novo Abril propulsionado pelo de 1974 – é por não ter
sido cumprido, tendo acontecido, à vista como uma terra boa que se julga achar,
que as potencialidades são reais enquanto Abril não estiver para além da
memória ou pela via da usurpação da sua carga simbólica convertido no que não
é, um qualquer 25 de Novembro.
O que é necessário fazer é o que não se fez e foi possível
em embriões de novas sociabilidades destruídos policialmente pela “normalização
democrática” primeiro e pela integração europeia depois – esta nunca aconteceu
pela convergência entre os níveis de desenvolvimento díspares e as
desigualdades nacionais, no plano do aprofundamento das democracias versus
qualidade das vidas de cada país. O que aconteceu foi uma dissociação progressiva
entre países numa integração subalternizante para os do Sul, europas de primeira,
segunda, terceira e por-aí-fora, a bitola das desigualdades não cabe na visão
mecânica das estatísticas, há portanto a considerar nos países avançados as
comunidades emigrantes que, com regresso de um racismo activista, colocam
questões mais que problemáticas à ideia de uma Europa da inclusão – pelo
contrário, como temos visto na Alemanha, em França, na Itália e na Inglaterra.
A conversa das duas velocidades oculta muitas outras realidades, a velocidade
em si não é uma via de integração, só tem como ideia aquela pobre ideia do
desenvolvimento como fenómeno quantitativo em busca de novas qualidades, quando
existem questões culturais, religiosas e raciais que não são irrelevantes.
A propaganda do establishment, assumidamente pragmática, a política
real, culpando-te a ti, do Sul por seres quem és em nome de uma superioridade
laboral especificamente alemã lança de novo o mote da superioridade racial e
está presa à venda da ideia – as ideias são marketing para o poder conservador
neoliberal europeu, convertidos ao consumo, como horizonte atingido, no lugar
de Deus - de um comboio de duas classes, esquecendo que muitos viajam na carga
e clandestinos, que outros estão parados onde nada chega, os interiores
abandonados em que vivem populações idosas e que na fronteira da Europa muitos
morrem numa espécie de catástrofe constante, como acontece em Lampedusa ou
Melilla. Essa propaganda que afirma que apesar de tudo continuamos a parte do
mundo civilizado mais civilizada enquanto deita para o lixo justamente o estado
social que a caracterizava enquanto tal, esconde também, por exemplo, que a
disparidade salarial na Europa civilizada pode chegar a abismos de distância
como acontecia nas sociedades asiáticas de outrora: o salário de Gaspar é de
22.400 euros, muitas pensões rurais não atingem os 250 euros e esta diferença
está longe de ser aquela que se verifica no sector bancário e privado em geral,
em que há indivíduos, lembremo-nos dos Jardins Gonçalves das Opus Dei que são
donos de pirâmides de ouro tendo enriquecido pela via da gestão, das
administrações, do tráfico de influências e da especulação.
Abril interessa pelas conquistas, praticamente
destruídas - não tendo sentido uma fixação na sua reconstrução mecânica como A política alternativa – mas interessa
mais pelo que encerra de não realizado ao tempo: a revolução que se viveu como
experiência mas que não se enraizou como democracia real. ... Leia na integra.
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