Com a emergência da política cultural no século XX, o papel do Estado centrou-se, primeiro, na garantia de acesso a um determinado património e, depois, na promoção das artes e das indústrias culturais. Com a ascensão da sociedade de consumo e da cultura de massas, o mercado passou a partilhar com o Estado o papel de mediador no acesso aos bens, obras e produtos culturais – reforçando a relação com a cultura a partir de uma lógica de espetador. Assim, a cultura passou a ser concebida como um produto, afastando-se do seu estatuto de direito.
A verdade é que os direitos culturais nunca estiveram no centro da ação pública na cultura e, por isso, esquecemo-nos de que a cultura é um direito.
O que torna a cultura “ingovernável”?
A ideia de ingovernável baseia-se no facto de que a cultura não é nem deve ser feita por instituições, mas é uma expressão e manifestação da sociedade, das comunidades e dos indivíduos. Isto significa que o papel do público não é fornecer cultura, mas gerar as condições materiais para que as práticas culturais possam proliferar, para que os projetos da sociedade possam acontecer e para que todos possam desenvolver uma vida cultural plena. A responsabilidade pública da cultura é redistribuir recursos e oportunidades para que as pessoas e as comunidades sejam protagonistas da sua própria vida cultural.
Para isso, uma instituição tem, fundamentalmente, de nutrir e fomentar o que existe fora da instituição. E este é, de facto, o paradoxo constitutivo da gestão pública na cultura: para que a cultura seja forte, para que haja vitalidade cultural, ela tem de escapar à própria instituição. Quanto mais a cultura conseguir transbordar o trabalho institucional, mais saberemos que a instituição está a cumprir a sua missão. E, por isso, governar a cultura é, de certa forma, gerar as condições para a sua ingovernabilidade. (...)»
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