«Arte: Do local ao global, da espiritualidade ao lucro
No passado dia 13 de abril tive ocasião de almoçar com Gilles Lipovetsky, autor francês que leio de há trinta anos para cá (cf. A era do vazio) e me tem ajudado a compreender as profundas transformações epocais das últimas décadas, no respeitante à sociedade e à cultura.
Disto mesmo conversámos e à despedida ofereceu-me um exemplar da sua última obra (em colaboração), acabada de sair em França: L’esthétisation du monde. Vivre à l’âge du capitalisme artiste [A "estetização" do mundo. Viver na idade do capitalismo artista], Gallimard, 2013. Na dedicatória referiu: «Esta nova dimensão do mundo…». Como veremos, também podia ter escrito «O mundo como dimensão nova das coisas».
Falando num museu e sobre a arte no contexto atual, respigo algumas ideias do livro, que me parecem particularmente ajustadas à circunstância. Trata-se especialmente daquilo a que chama «o estádio estratégico e mercantil da estetização do mundo» (p. 26). Explica que a arte não se destina já nem à simbolização e propiciação da divindade, nem à fruição e representação dos príncipes e elites, nem aos âmbitos em que era criada só por ela ou para ela. Hoje aplica-se instrumentalmente a tudo, num quadro geral de investimento e lucro.
A esta absorção da arte pelo mercado chama “capitalismo artista”, definindo-o como «o sistema que produz em grande escala bens e serviços com finalidade comercial mas carregados com uma componente estético-emocional, que utiliza a criatividade artística para estimular o consumo mercantil e a diversão de massas» (p. 67). (...)». Continue aqui.
Bispo do Porto, vice-presidente da Conferência Episcopal Portuguesa
Museu dos Terceiros, Ponte de Lima, 3.5.2013
In Diocese do Porto
06.05.13
Do mesmo autor, Gilles Lipovetsky, com Jean Serroy, recentemente editada em Portugal, A Cultura Mundo | Resposta a uma sociedade desorientada, que estou a terminar de ler, mas que há uns dias não falo de outra coisa. A sinopse: «A noção de cultura alterou-se profundamente. Nos nossos dias, moda, publicidade, turismo, arte, urbanismo… nada escapa ao domínio da cultura. Esta transformou-se numa cultura-mundo, a do tecnocapitalismo generalizado, das indústrias culturais, do consumismo à escala global, dos media e das redes digitais. Ao transcender agora todas as fronteiras, e tornando mais confusas as antigas dicotomias entre «civilização» das elites e a «barbárie» da populaça, ela manifesta uma vocação planetária e permeia todos os sectores de actividade. Ao analisarem esta transformação, os autores avançam pistas para um possível curso de acção que enfrente o primado, em crescimento, do consumismo e a desorientação generalizada desta época. E se os anos vindouros fossem, paradoxalmente, os da «vingança da cultura»? Entre muitas outros ensinamentos penso que contribui para se alicerçar a necessidade de se delimitar o que é a cultura e as artes do serviço público, e a outra. E penso que este é mesmo «o ponto» no nosso País, nos dias que correm. Ou seja, há que precisar de que «cultura e artes» trata o «Ministério da Cultura» aqui entendido como a estrutura que integra o Governo e o aparelho da Administração Pública que a serve. Em particular, compreende-se melhor porque nas novas gerações encontramos quem tenha tanta dificuldade em entender a necessidade deste serviço público. Pensando bem, nasceram e viveram já na «Cultura - Mundo» de que fala o autor, cultura essa que nos afoga.
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