quinta-feira, 18 de novembro de 2021

MANUEL ALEGRE | «(...) A vida não se adia nem se rebobina. Só se tem 20 anos uma vez e eu percebo a impaciência dos jovens. (...)»

 

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Excertos: «(...)

 Como se se tivesse adensado a noção da urgência de viver?

Isso aconteceu noutras situações históricas, antes da primeira grande guerra e depois logo a seguir. Houve um corte de civilização, a libertação de costumes, o avanço das mulheres, a maneira de vestir. Havia ânsia de viver, como se as pessoas não se importassem de morrer desde que vivessem intensamente, que experimentassem tudo, num dia ou numa semana. A vida não se adia nem se rebobina. Só se tem 20 anos uma vez e eu percebo a impaciência dos jovens.

(...)

Parece-lhe que a palavra, a invenção verbal têm vindo a perder protagonismo na criação literária, como se a própria palavra se tivesse deslocado para a periferia da literatura?

Em muitas conversas que mantinha com o Nuno Bragança fazíamos verdadeiras peregrinações pela História. Ele metia nos livros pedaços de crónicas, assim como a Maria Velho da Costa, de quem também fui muito amigo, e eu próprio, nos meus poemas, sou dado a essas práticas intertextuais. O grande problema hoje de muitos dos jovens poetas é que não leram os nossos clássicos. Nunca leram Sá de Miranda, não leram o Gil Vicente, não sei se leram os trovadores, Camões devem-no ter passado a correr ou não o leram mesmo. Não conhecem a língua e a estrutura rítmica da língua. E eu não acredito em grandes poetas que não tenham presente essa estrutura, a música da língua dentro de si, a que possam depois acrescentar a sua própria música. A sensação que tenho, muitas vezes, é que estou a ler poemas traduzidos do inglês ou do americano.

Falta-lhes leituras e o que mais?

Alguma humildade. Julgam que já nascem ensinados, que vão a essas oficinas de escrita e tudo se arranja, o problema fica resolvido. Ninguém sabe quanto tempo demora um verso, o primeiro verso. Eu sabia a poesia portuguesa toda de cor: o António Nobre, o Camilo Pessanha, o Cesário Verde, até “O Noivado do Sepulcro” eu sabia de cor. E depois escrevia poemas à maneira deste e daquele. Até chegar a um verso que me parecesse meu, foi uma longa caminhada, o tempo que isso demorou.  (...)»

 


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