Na integra uma das intervenções havidas no Colóquio da imagem - enviada por um leitor do blogue - e a que já nos tínhamos referido em post anterior:
«Uma vergonha, uma emergência e uma preocupação
adicional*
O meu nome é Pedro Rodrigues e sou
produtor d'A Escola da Noite, uma companhia de teatro profissional sediada em
Coimbra, com 25 anos de actividade regular.
É em nome desta companhia que aqui
estou e que agradeço o convite. Valorizamos a iniciativa deste colóquio e o
facto de a Assembleia da República ter querido ouvir os profissionais das
artes. Agradeço também os contributos dos oradores iniciais, que ajudam a
enquadrar a discussão e a relembrar por que faz sentido financiar a criação
artística. Permitam-me saudar de forma especial João Maria André, que há cinco
anos integrou um júri que, com coragem e sentido de responsabilidade, fez com
que a situação que hoje vivemos não fosse ainda mais calamitosa.
O respeito que tenho por esta
instituição e por cada um/a de vós exige de mim a máxima frontalidade. Quero
por isso falar-vos, muito brevemente, de três coisas: de uma vergonha, de uma
emergência e de uma preocupação adicional.
1. A vergonha
A vergonha, senhoras deputadas e
senhores deputados, é que o orçamento para a cultura represente em 2017 pouco
mais do que 0,1% do Orçamento Geral do Estado (OGE). Mais grave ainda, que esta
percentagem tenha vindo a cair nos últimos 15 anos: entre 2002 e 2017, o peso
da cultura no OGE caiu de 0,5 para 0,1%. Ainda mais do que os números
absolutos, que naturalmente são afectados pela situação geral do país, este
indicador é muito relevante – ele mede o peso (a importância, portanto) que a
cultura tem ou não tem no conjunto das políticas públicas. Não é possível fazer
discursos em que se valoriza a cultura como “eixo fundamental para o desenvolvimento
do país” e aceitar esta quebra no orçamento. Todas as deputadas e todos os
deputados – sem excepção – que já aprovaram orçamentos nos quais a cultura vale
apenas 0,1% devem, no mínimo, sentir o peso desta contradição.
Ainda no capítulo da vergonha, queria
lembrar-vos que o somatório dos principais apoios às artes – estes, de que hoje
estamos a falar – passou de 21 milhões de Euros em 2010 para menos de 13
milhões em 2016. É uma quebra de 40%. Algumas e alguns de vós contribuíram para
que isto acontecesse. Quero também dizer-vos que estes apoios – fundamentais
para a existência de criação artística em Portugal não limitada às regras do
mercado, representam apenas 6% do total do orçamento do Ministério da Cultura.
Não me enganei: 6%. Seis por cento de 0,1% do Orçamento Geral do Estado. Será
útil que se lembrem disto sempre que se confundir o “orçamento da Cultura” com
“subsídios aos artistas”.
2. A emergência
Em resultado dos cortes que foram
feitos, artistas e estruturas artísticas estão hoje numa situação de emergência
absoluta. As que sobreviveram, claro. Porque muitas não resistiram e tiveram de
fechar portas, incluindo – digo eu – a melhor de nós todas. Mas não quero falar
de casos particulares. Dou-vos mais um número: os apoios quadrienais e bienais
são atribuídos às estruturas que o Estado considera que reúnem melhores
condições para prestar serviço público de uma forma continuada (há uns anos
atrás até lhes chamavam “apoios sustentados”). Sabem qual é o apoio médio dado
a estas estruturas? 71 mil Euros/ano. O apoio médio, sublinho. Pensem, senhoras
deputadas e senhores deputados, que sustentabilidade é esta que o Estado diz
garantir.
Companhias que fecharam, redução
drástica na produção, artistas a abandonar a profissão ou o país, jovens
formados que não chegam a ter oportunidades de trabalho, criação artística
obrigada a mercantilizar-se para sobreviver. É nisto que estamos – nesta
emergência, hoje.
3. Uma preocupação
adicional
A preocupação adicional vem do
facto de me parecer que o actual Governo não percebeu ainda (ou não quer
perceber) a gravidade da situação. Estamos a meio do mandato, os orçamentos
mantêm-se sem alterações significativas e continuamos sem perceber o que
pretende o Governo alterar nos regulamentos. Nenhum debate a sério foi feito
com os/as profissionais.
Pelo contrário, multiplicam-se
acções de propaganda, adiamentos sucessivos de prazos e até tentativas de
manipulação da discussão pública. Dou-vos três exemplos:
1. “Desta vez, Costa olhou para a cultura” -
era o título do Público no dia em que o OGE/2017 deu entrada nesta casa.
Demorou menos de 24 horas a perceber-se que o orçamento tinha, isso sim,
operações de engenharia orçamental e que o essencial se mantinha na mesma.
2. O
Secretário de Estado chama repetidamente “apoio extraordinário” a coisas que
resultam do mero (e incompleto) cumprimento da Lei – veja-se o caso dos
concursos para apoios pontuais, aberto este ano.
3. Foi criada
uma nova associação, por iniciativa governamental, para “representar o sector”.
Chama-se Performart. Digo que é de iniciativa
governamental porque entre os seus 14 fundadores estão seis instituições
públicas e duas fundações nas quais o Estado tem assento. Não consta que o
Teatro Nacional de São João, a OPART, o CCB ou o TNDMII possam criar
associações sem a anuência da tutela.
Este tipo de comportamentos, em
cima de uma situação de emergência e perante a vergonha que é o orçamento,
introduz um problema adicional, que é o da crise de confiança entre artistas e
instituições oficiais. Estamos cansados e não é de fazer o nosso trabalho.
Estamos cansados de discussões estéreis e de repetidamente nos sentirmos
enganados, utilizados, manipulados. Houve quem não viesse a esta reunião por
causa deste cansaço.
Está mesmo nas vossas mãos,
senhoras deputadas e senhores deputados, fazer com que as coisas mudem:
- Não aprovem mais nenhum
Orçamento do Estado em que a cultura valha apenas 0,1%;
- Exijam a reposição das verbas
para o apoio às artes em níveis minimamente sérios;
- Sejam parte activa na discussão
dos novos regulamentos e garantam que estes servem o interesse público;
- Salvaguardem o nosso direito de
participar nesta discussão e obriguem o Governo a fazer uma verdadeira
discussão pública;
- Fiscalizem, como vos compete, o cumprimento
das leis que existem, dos prazos anunciados, dos orçamentos aprovados;
- Contribuam, enfim, para
restaurar a relação de confiança entre Estado e criadores/as.
Muito obrigado».
Continua ...
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