sábado, 1 de julho de 2017

ANTÓNIO-PEDRO VASCONCELOS | «Alguém Pediu um Ministro da Cultura?»



Na Revista «Mais Alentejo»| 1 JUN 2017

Um leitor do Elitário Para Todos mandou-nos o artigo da imagem, de António-Pedro Vasconcelos, publicado na revista «Mais Alentejo», e aqui fica:

«Antes de mais, acho que devo deixar clara a minha simpatia pela solução governativa negociada entre o PS e os partidos à sua esquerda, e a minha amizade e admiração por António Costa, o homem e o político. O trabalho que, na sequência do mandato de João Soares, ele fez na Câmara Municipal de Lisboa e a herança que deixou ao seu sucessor, Fernando Medina — depois do interregno em que Santana Lopes e Carmona Rodrigues travaram a recuperação da capital e a sua modernização —, merece o reconhecimento e a gratidão não só dos lisboetas, mas de todos os portugueses. E nunca será de mais enaltecer o modo como, serenamente, mas com firmeza e capacidade negocial — quer internamente, quer na Europa, virou uma página negra da nossa História recente (a mais negra depois do salazarismo), em que o governo Passos Coelho/Paulo Portas, com a bênção de Cavaco Silva,se serviram do pretexto da troika para precarizar o trabalho, empobrecer os portugueses, convidar à emigração dos jovens e dos talentos e vender ao desbarato todas as nossas empresas estratégicas. 
Dito isto, há áreas da governação em que, por passividade, incompetência ou inércia dos seus ministros, o Governo tem deixado marcas negativas, difíceis de esquecer ou apagar. Uma delas é a cultura, devolvida a ministério num gesto carregado de simbolismo, mas onde a falta de verbas, de projecto e de ideias, têm deixado que se perpetue e agrave a indefinição nas políticas públicas e mesmo alguns desastres de graves consequências.
 Todos sabemos que Filipe de Castro Mendes, poeta e diplomata, foi inventado à pressa para ocupar um cargo para o qual, até agora, não revelou nenhuma aptidão nem qualidade. A vacuidade do discurso,a falta de um projecto,a demissão de responsabilidades por parte do ministério da cultura, têm feito estragos. Podíamos citar, entre outros, a incapacidade de decidir de forma clara dossiês como o do cinema, provocando protestos, a torto-e-a-direito, deixando à solta uma direcção do Instituto do Cinema e do Audiovisual (ICA) inepta e desastrada; ou a forma como se absteve de ter uma voz activa no (des)acordo ortográfico (uma tragédia pela qual, se não for travada, vão pagar várias gerações), deixando que seja o ministro dos negócios estrangeiros, com a sua estulta arrogância, a impor a posição intransigente do Governo.
 Mas o episódio mais trágico e mais recente é o inaceitável desleixo com que ignorou os avisos da Fundação Foz Côa, que há mais de um ano e reiteradamente lhe chamou a atenção para os riscos da falta de protecção nocturna do parque arqueológico, por falta de verbas para pagar à empresa de segurança. O mínimo que se esperava era que se demitisse, já que se demitiu de usar os seus poderes — entre os quais,a presença em conselho de ministros — para impedir a vandalização do famoso "Homem de Piscos", a mais notável das representações antropomórficas paleolíticas do Vale do Côa, com mais de dez mil anos.
 Há poucos meses tive a oportunidade de visitar Foz Côa e dar-me conta da incomparável riqueza de uma terra tão pequena e tão afastada do Terreiro do Paço, onde se conjugam, entre outras riquezas, a mítica Quinta do Vale do Meão e o riquíssimo património que são as gravuras rupestres que, ao longo de 17 quilómetros, constituem o maior museu ao ar livre do paleolítico de todo o mundo, o que levou a Unesco a não hesitar em a considerá-las Património Cultural da Humanidade. 
E o que mais me indigna é que não me foi difícil perceber o risco eminente em que estavam as gravuras de ser vandalizadas e a angústia dos responsáveis locais, impotentes para o impedir. Risco que o ministro da cultura, com inadmissível ignorância, desleixo e irresponsabilidade, foi incapaz de perceber, prevenir e evitar».

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