Na Revista «Mais Alentejo»| 1 JUN 2017 |
Um leitor do Elitário Para Todos mandou-nos o artigo da imagem, de António-Pedro Vasconcelos, publicado na revista «Mais Alentejo», e aqui fica:
«Antes de mais, acho que
devo deixar clara a minha
simpatia pela solução governativa
negociada entre
o PS e os partidos à sua
esquerda, e a minha amizade e admiração
por António Costa, o homem e o político. O
trabalho que, na sequência do mandato de
João Soares, ele fez na Câmara Municipal
de Lisboa e a herança que deixou ao seu
sucessor, Fernando Medina — depois do
interregno em que Santana Lopes e Carmona
Rodrigues travaram a recuperação
da capital e a sua modernização —, merece
o reconhecimento e a gratidão não só dos
lisboetas, mas de todos os portugueses.
E nunca será de mais enaltecer o modo
como, serenamente, mas com firmeza
e capacidade negocial — quer internamente,
quer na Europa, virou uma página negra da nossa História recente
(a mais negra depois do salazarismo),
em que o governo Passos Coelho/Paulo
Portas, com a bênção de Cavaco Silva,se
serviram do pretexto da troika para precarizar
o trabalho, empobrecer os portugueses, convidar
à emigração dos jovens
e dos talentos e vender ao desbarato
todas as nossas empresas estratégicas.
Dito isto, há áreas da governação em
que, por passividade, incompetência ou
inércia dos seus ministros, o Governo
tem deixado marcas negativas, difíceis
de esquecer ou apagar. Uma delas é a
cultura, devolvida a ministério num gesto
carregado de simbolismo, mas onde a
falta de verbas, de projecto e de ideias,
têm deixado que se perpetue e agrave
a indefinição nas políticas públicas e
mesmo alguns desastres de graves consequências.
Todos sabemos que Filipe de Castro
Mendes, poeta e diplomata, foi inventado
à pressa para ocupar um cargo para
o qual, até agora, não revelou nenhuma
aptidão nem qualidade. A vacuidade do
discurso,a falta de um projecto,a demissão
de responsabilidades por parte do
ministério da cultura, têm feito estragos.
Podíamos citar, entre outros, a incapacidade
de decidir de forma clara dossiês
como o do cinema, provocando protestos,
a torto-e-a-direito, deixando à solta
uma direcção do Instituto do Cinema e
do Audiovisual (ICA) inepta e desastrada;
ou a forma como se absteve de ter
uma voz activa no (des)acordo ortográfico (uma tragédia pela qual, se não for
travada, vão pagar várias gerações), deixando
que seja o ministro dos negócios
estrangeiros, com a sua estulta arrogância,
a impor a posição intransigente do
Governo.
Mas o episódio mais trágico e mais recente
é o inaceitável desleixo com que
ignorou os avisos da Fundação Foz Côa,
que há mais de um ano e reiteradamente
lhe chamou a atenção para os riscos
da falta de protecção nocturna do parque
arqueológico, por falta de verbas
para pagar à empresa de segurança.
O mínimo que se esperava era que se
demitisse, já que se demitiu de usar os
seus poderes — entre os quais,a presença
em conselho de ministros — para impedir
a vandalização do famoso "Homem de Piscos", a mais notável das representações
antropomórficas paleolíticas do
Vale do Côa, com mais de dez mil anos.
Há poucos meses tive a oportunidade
de visitar Foz Côa e dar-me conta da
incomparável riqueza de uma terra tão
pequena e tão afastada do Terreiro do
Paço, onde se conjugam, entre outras riquezas,
a mítica Quinta do Vale do Meão
e o riquíssimo património que são as
gravuras rupestres que, ao longo de 17
quilómetros, constituem o maior museu
ao ar livre do paleolítico de todo o mundo,
o que levou a Unesco a não hesitar
em a considerá-las Património Cultural
da Humanidade.
E o que mais me indigna é que não me
foi difícil perceber o risco eminente em
que estavam as gravuras de ser vandalizadas
e a angústia dos responsáveis
locais, impotentes para o impedir. Risco
que o ministro da cultura, com inadmissível
ignorância, desleixo e irresponsabilidade,
foi incapaz de perceber, prevenir
e evitar».
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