«Com Abril sopraram ventos de liberdade para o Teatro e de esperança do seu papel futuro na sociedade portuguesa. Acreditava-se que tudo ia mudar e que as Artes Cénicas beneficiariam de políticas justas, capazes de superar, em todos os aspectos, um atraso crónico face ao panorama internacional, contribuindo assim activamente para a construção de um país novo, em alegria colectiva.
Neste capítulo, 45 anos passados, o essencial foi sendo preterido, jamais se fez um balanço sério do que daí para cá foi possível concretizar e que alcance obtiveram as transformações da realidade cultural, inseparáveis de uma sua política constitutiva, ónus do Estado laico, republicano e democrático. De facto, nunca se aferiu na raiz, necessidades e carências, insuficiências e debilidades de um todo cultural diverso, visando as necessárias dinâmicas do respectivo aprofundamento e desenvolvimento harmónicos, com presença equilibrada no território, combatendo a desertificação e qualificando os cidadãos. Para eles e para os do Teatro, a Cultura instala-se no hiato da relação entre trabalho e lazer, «no primeiro minuto de liberdade após a jornada de trabalho». Os sucessivos governos inclinaram-se sempre para a amálgama e a indiferenciação, metendo tudo no mesmo saco: indústrias criativas e criação, esta e programação, entretenimento, património e a isso chamaram Serviço Público. Não é, e nem sequer todas as entidades apoiadas o realizam. O Serviço Público Artístico, um verdadeiro Serviço Nacional de Cultura, com uma base infraestruturante garantindo a possibilidade de acesso generalizado (par)a todos, tendencialmente imune (porque resistente) à contaminação publicitária do mercado, se não lhe for fornecido conteúdo, arrisca tornar-se um conceito esvaziado de sentido. Para ser defendido (não apenas em abstracto) tem que ser praticado em concreto. No contexto português é um imperativo constitucional que deve corrigir as tão faladas e tão pouco contrariadas assimetrias, assegurando o direito à fruição e criação, em termos individuais e colectivos. As populações, menosprezadas e menorizadas, merecem mais do que a alienante degradação televisiva, até da RTP, suposto Serviço Público, que cativa mais de metade dos recursos financeiros do ministério da Cultura. Se o Teatro é o espelho da sociedade e das contradições do mundo, a TV, aparelho ideológico, utilizada como arma perigosa, é «a imagem do Poder e da sua doutrina».
O Estado não cumpre o seu dever (sim, o dever cívico) de respeitar e apoiar o Teatro. E todavia é uma sua tarefa, um seu encargo moral. Mas nada parece mais alheio aos governantes, cujo desinteresse e ignorância, na ausência de uma política artística corajosa, dissemina, sem o reconhecer, o cancro da incerteza, da insegurança e da precariedade, a desestabilização, o silêncio e ainda pior, quantas vezes a arrogância impositiva de verbas irrisórias ou um amável cinismo para camuflar a inércia e a frivolidade de medidas sempre as mesmas (veja-se as conclusões patéticas do grupo de trabalho nomeado pelo anterior ministro). A falta de meios financeiros (e outros) revela o medo do papel social e político que o teatro desempenha. As burocracias têm sido tão só uma instância de controlo, sobretudo contabilístico. Um Orçamento é também uma política que produz escolhas, em vista do quê e para quem se faz.
E se a gente do Teatro ganha pouco, a sua Arte é cara. Não rende. Os lucros são espirituais, visam a emancipação pelo conhecimento sensível do real. É assim desde os gregos no século V a.c. – a obra tinha por destino ser útil às gentes do seu tempo, lição que nos aproveita 26 séculos depois.
Tudo está para recomeçar. Há que refundar o apoio às Artes!
A Democracia não o é, se amputada culturalmente».
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