Mais estes excertos:
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Falemos agora do CAM. Passada a fase inicial, do foguetório provinciano e fátuo, quando as palas arquitectónicas parecem ter pousado nos olhos de quem as vê, a verdade é que caímos em nós e perguntamo-nos: onde está a componente de museu do CAM? Onde estão as colecções essenciais, recheadas de obras-primas? Em reservas visitáveis, dizem-nos, com angelical candura (ou será cinismo?). Mas não perceberá quem assim diz como está a trair a própria instituição em que o CAM se insere?
É certo que existe no mundo dos museus, e muito especialmente nos de arte contemporânea, uma deriva no sentido do “curador-estrela” (depois de se ter antes instalado o “arquitecto-estrela”), alguém que se julga superiormente dotado e ungido da missão de produzir narrativas originais, excêntricas se possível, capazes de mostrar aos outros a luz, retirando-os das trevas. O próprio termo o sugere, porque em português “curador” (com origem latina e não anglo-saxónica…) apenas era usado até há poucos anos no contexto do Direito, para designar a tutela exercida sobre menores ou incapazes. Pois importa esclarecer que os visitantes não são mentecaptos e, sim, querem ver as colecções essenciais de cada museu, talvez com novos olhares no caso de exposições temporárias (devendo estas preferencialmente decorrer dos acervos próprios e não da promoção de amigos ou “bestiais” da moda), e também em galerias de longa duração, galerias onde a intervenção do mediador do museu (conservador, mais do que “curador”) seja discreta e não se assemelhe à de escuteiro finório, sempre pronto a obrigar a atravessar a rua, mesmo a quem não queira.
Tudo o que não vemos de respeito pela instituição e de serviço público no CAM, encontramo-lo na nova galeria de longa duração do núcleo-sede do Museu de Lisboa. Confesso que tinha algum receio de que assim não fosse, porque a remodelação de museus e exposições antigas deixa-me demasiadas vezes um sentimento mais acre do que doce, dado que se traduz pela solução de facilidade do costume: reduzir drasticamente o número de peças em exposição e dar rédea solta aos ambientes gráficos suposta ou efectivamente impactantes. Aqui, não: mantêm-se em exposição algumas centenas de peças, criteriosamente seleccionadas, e somaram-se, além disso, novos conteúdos, transportando a narrativa até ao presente e mesmo até à prefiguração do futuro próximo. Acresce uma museografia muito elegante, serena, convidativa da aprendizagem. O visitante, ali, aprende por si próprio, mais do que por imposição do espírito iluminado de "curadores" — o qual, no entanto, é preciso e está lá, mas discretamente, como deve ser.
Falemos agora do CAM. Passada a fase inicial, do foguetório provinciano e fátuo, quando as palas arquitectónicas parecem ter pousado nos olhos de quem as vê, a verdade é que caímos em nós e perguntamo-nos: onde está a componente de museu do CAM? Onde estão as colecções essenciais, recheadas de obras-primas? Em reservas visitáveis, dizem-nos, com angelical candura (ou será cinismo?). Mas não perceberá quem assim diz como está a trair a própria instituição em que o CAM se insere?
É certo que existe no mundo dos museus, e muito especialmente nos de arte contemporânea, uma deriva no sentido do “curador-estrela” (depois de se ter antes instalado o “arquitecto-estrela”), alguém que se julga superiormente dotado e ungido da missão de produzir narrativas originais, excêntricas se possível, capazes de mostrar aos outros a luz, retirando-os das trevas. O próprio termo o sugere, porque em português “curador” (com origem latina e não anglo-saxónica…) apenas era usado até há poucos anos no contexto do Direito, para designar a tutela exercida sobre menores ou incapazes. Pois importa esclarecer que os visitantes não são mentecaptos e, sim, querem ver as colecções essenciais de cada museu, talvez com novos olhares no caso de exposições temporárias (devendo estas preferencialmente decorrer dos acervos próprios e não da promoção de amigos ou “bestiais” da moda), e também em galerias de longa duração, galerias onde a intervenção do mediador do museu (conservador, mais do que “curador”) seja discreta e não se assemelhe à de escuteiro finório, sempre pronto a obrigar a atravessar a rua, mesmo a quem não queira.
Tudo o que não vemos de respeito pela instituição e de serviço público no CAM, encontramo-lo na nova galeria de longa duração do núcleo-sede do Museu de Lisboa. Confesso que tinha algum receio de que assim não fosse, porque a remodelação de museus e exposições antigas deixa-me demasiadas vezes um sentimento mais acre do que doce, dado que se traduz pela solução de facilidade do costume: reduzir drasticamente o número de peças em exposição e dar rédea solta aos ambientes gráficos suposta ou efectivamente impactantes. Aqui, não: mantêm-se em exposição algumas centenas de peças, criteriosamente seleccionadas, e somaram-se, além disso, novos conteúdos, transportando a narrativa até ao presente e mesmo até à prefiguração do futuro próximo. Acresce uma museografia muito elegante, serena, convidativa da aprendizagem. O visitante, ali, aprende por si próprio, mais do que por imposição do espírito iluminado de "curadores" — o qual, no entanto, é preciso e está lá, mas discretamente, como deve ser.
Dito isto, será que está tudo bem nos museus da CML? Não, de todo, nem nos da EGEAC, agora Lisboa Cultura, nem muito menos no recém-reaberto Mude, que constitui uma quase excentricidade, ao jeito da Casa Ásia da SCML (até a colecção tem em grande parte origem no mesmo coleccionador… isto sem falar no político que mais fez por ambos) e que tem a singularidade pacóvia de estar sob tutela directa do presidente da CML. Tanto na imoderada dimensão física (maior do que todos os outros museus de Lisboa, mesmo os nacionais), como no peso orçamental, desde a aquisição do espaço e da colecção inicial, passando por obras, avenças e cargos de chefia sem concurso, todos de anos, já décadas, até aos milhões de euros de orçamento corrente, tudo ali deixa no ar o odor terceiro-mundista da jóia do regime em país de miséria: uma espécie de "elefante" tão exótico como o que o poder real trouxe para a Lisboa no século XVI. (...)».
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