Quero desde já dizer que assinei a petição que está correr a favor da continuação de Ministério da Cultura no próximo Governo do País. (Caso queira também fazê-lo vá por aqui). E isto por razões objectivas e subjectivas, de entre as quais: nos últimos tempos toda a gente enche a boca com a importância que a cultura tem na economia, no emprego, na competitividade, sem se cuidar de olhar para a cultura e as artes por aquilo que elas são em si mesmas, e, assim sendo, se desaparece o Ministério então é que nunca mais se retomará a assunção de que o Estado deve garantir um serviço público na cultura e nas artes, bem delimitado, como nos demais sectores em que se articula a vida das sociedades e bem tipificados na Constituição da República; se a estrutura do próximo Governo e a sua forma de funcionar continuarem a ser as tradicionais, e o povo a valorizar o Ministro e a ver os Secretários de Estado cada vez mais «ajudantes» como alguém, ao mais alto nível, em tempos, já lhes chamou, sem qualquer autonomia, parece que ficamos sem quem se dedique à «politica, política» para o sector, situação agravada se Governo se mantiver como o somatório de Ministros onde cada um trata do seu quintal. Visto assim, dá ideia que a cultura nunca teria «assento» no Conselho de Ministros. É certo que de cultura toda a gente sabe, como de futebol: por vezes numa amálgama de amadorismo e provincianismo que não resiste a uma avaliação minima de base profissional. Em particular, olhando para o passado, um dos melhores momentos da intervenção do Estado na Cultura, no dizer de muitos, coincidiu com a existência de Ministério da Cultura: com um Ministro e um Secretário de Estado (por acaso sem Secretaria de Estado). Estou a referir-me ao primeiro Governo António Guterres, e ao Ministro Carrilho e ao Secretário de Estado Rui Vieira Nery. E era este que na Equipa ( e justifica-se sublinhar equipa) tinha o «pelouro» das Artes do Espectáculo que tanto ocupam este blogue. Mas houve outros momentos no passado, do meu ponto de vista, igualmente bons, fazendo sentido lembrar estruturas, até para as valorizarmos «quanto baste» e constatar que se as estruturas são importantes mais importante é estar claro para que é que elas existem. Assim, sem a preocupação de tudo cobrir: houve Ministério da Educação e Cultura em governos provisórios e constitucionais ( e é claro que a leitura é que a Cultura está na Educação e não o contrário); houve a situação em Governos Provisórios (no PREC lembrarão muitos, só nesta altura se juntaria a cultura com a comunicação social, dizem-me muitos, que horror, adiantam outros) em que para a cultura havia uma Secretaria de Estado da Cultura no apenas designado Ministério da Comunicação Social (e durante estes periodos com Governos sempre curtos, pelo Palácio Foz onde era a «sede da Cultura» passaram figuras que marcaram, deixaram legado que ainda hoje se sente - João de Freitas Branco, Helder Macedo, Eduardo Prado Coelho, João Vieira, ... -; e temos um Ministro da Cultura, Coimbra Martins, no IX Governo Constitucional (no arquivo histórico do site do Governo não existe a orgânica para este periodo); e temos algo que me é muito caro, a solução no Governo Pintassilgo - Ministro da Cultura e da Ciência (para um Ministério com duas Secretarias de Estado, uma para a Ciência e outra para a Cultura, com Helder Macedo como Secretário de Estado) mas o Ministro, Professor Sedas Nunes, era também apresentado como Ministro da Coordenação Cultural, Cultura e Ciência (ver site do Governo); houve também o Ministro da Cultura e da Coordenação Cientifica (Lucas Pires) no Governo Balsemão; e, claro, existiu a solução que aparece sempre como alternativa, a de uma Secretaria de Estado da Cultura inserida na Presidência do Conselho de Ministros. Pode aprofundar este assunto recorrendo ao Portal do Governo aqui. E tem cabimento o reparo: há lacunas e nem sempre será fácil concluir das verdadeiras características das soluções orgânicas vividas na esfera da Cultura ao longo dos tempos. Uma das que vivi muito por «dentro», a do Governo Pintassilgo: o Governo teve uma duração tão curta que não houve tempo sequer para se interiorizarem as designações, mas no terreno muitos se aperceberam do alcance e do que se pode fazer quando se sabe para onde se deseja ir - por exemplo aquela da «Coordenação» tinha a ver com a importância da cultura em toda a actividade governativa. Há discursos que fundamentam o lado conceptual e práticas que mostram a diferença.Por outro lado, apetece-me trazer para aqui soluções actuais dos outros paises: Espanha ( Ministerio de Cultura), França ( Ministère de la Culture e de la Communication), Reino Unido ( Department for culture, media and sport ), Brasil ( Ministério da Cultura). E depois disto, do que, para lá da Petição, tem sido escrito quando o PSD adiantou que ia acabar com o Ministério da Cultura, onde, na minha avaliação, há muito ruido, e menos ideias mobilizadoras. Desde logo, o trabalho do público de hoje, em que 1o pessoas se manifestam sobre a existência ou não do MC. Depois um artigo de opinião da ainda Ministra Gabriela Canavilhas publicado na Visão e que pode ser lido no Blogue da Cultura do Ministério, em que se tenta fazer uma comparação com situações estrangeiras (que não me parecem bem caracterizadas) e que está em linha com o que depois foi afirmado pela ministra e tão divulgado: Canavilhas diz que acabar com Ministério da Cultura é "retrocesso civilizacional" , e pode ler mais aqui. E as reacções em catadupa: «O ex-ministro da Cultura, Manuel Maria Carrilho diz que a intenção do PSD de extinguir este ministério é uma "certidão de óbito" passada a um sector que "está completamente morto há muito tempo". O antigo ministro de António Guterres lamenta a intenção do PSD, mas culpa o actual primeiro-ministro, José Sócrates, pela "mais miserável política cultural que o País conheceu desde o 25 de Abril de 1974" quando, em sua opinião, este devia ser um dos sectores "a alavancar a saída da crise". ; do antigo Secretário de Estado Amaral Lopes - Amaral Lopes, que colaborou no programa do PSD, qualificou de "desrespeito e insulto" as declarações da ministra da Cultura que indicou a Hungria e Malta como exemplos de países em que não existe Ministério da Cultura.; da escritora Inês Pedrosa, em artigo no Jornal SOL - A expressão «dependência directa» diz tudo: recusa-se a esta pasta a dignidade de uma acção autónoma. A Cultura passará a ser o passatempo das horas vagas do primeiro-ministro. A rapariga com a qual se vai dar uma voltinha antes de se regressar a casa, ao conforto da família e à tranquilidade das coisas sérias. O prazerzinho clandestino que ajuda a aguentar a dura realidade. A flor no ego: só um primeiroministro cheio de força vital consegue aviar a Cultura nos intervalos da chefia do Governo de um país de pantanas. Entre muitos mais ... E na rádio Rui Vilar Presidente da Fundação Gulbenkian pronunciou-se sobre a matéria, adiantando qualquer coisa que remetia para a estrutura global do Governo; mas também no «Governo Sombra» da TSF onde Pedro Mexia disse, nomeadamente, não ver com bons olhos a cultura na educação (nem eu); ... Com a ironia possível: e então não é que se discute cultura na campanha eleitoral! E foi neste contexto que apareceu a Petição acima referida. Nesta atmosfera ruidosa, eu quero dar para este peditório através da linha de força (fica bem a expressão) «Eu tenho um sonho: a cultura com ministro sem ministério». E em que consiste isto? Num ministro prestigiado que não começasse a pensar a cultura a partir do momento em que foi convidado, que tivesse pensamento próprio e nunca dissesse que ainda não conhecia os dossiês, que não fosse fazer um tirocínio no lugar, e que desse garantias de que mais tarde não ia ser apenas ministro de si próprio. Seria um Ministro de Estado que cuidava da cultura na transversalidade que todos lhe atribuem com aquela ideia de que todos os ministros são também ministros da cultura, como cada um, afinal, é/deveria ser ministro de também de todas as áreas e só assim se pode entender um Governo e um Conselho de Ministros. Quanto aos serviços tradicionais burocráticos, o mínimo dos minimos, e para o resto tudo em programas, projectos, processos, assentes nas tecnologias da informação e comunicação, onde fosse clara a razão da sua existência, e quais os serviços e produtos que beneficiam as populações. E lembro que é para isto que apontam quadros de trabalho aprovados na Assembleia da República - Orçamento-Programa, Orçamento-base-zero, diz-lhes alguma coisa? - e as técnicas modernas das organizações e da sua gestão. Por fim, é um sonho, mas é fazível. E podiamos começar pela cultura e assim contribuir para a criatividade e inovação na gestão da coisa pública.
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