O discurso de Hélia Correia na cerimónia de ontem em que lhe foi entregue o Prémio Camões, ver aqui, no Público, termina assim:
O nosso mundo de sobreviventes está
seguro por laços muitos finos. Eu vejo os fios que unem os textos nas diversas
versões do português, leves fios resistentes e aplicados a construirem uma teia
que não rasgue. Quando o angolano Ondjaki dedica um poema ao brasileiro Manoel
de Barros, quando Mia Couto reconhece a influência que teve Guimarães Rosa na
sua escrita transfiguradora e transfigurada pelas africanas narrativas do seu
povo; quando a portuguesa Maria Gabriela Llansol considera Lispector «uma
irmã inteiramente dispersa no nevoeiro», vemos a língua portuguesa a ocupar -
não como o invasor ocupa a terra, mas como o sangue ocupa o coração - um espaço
livre, um sítio para viver, uma comunidade de diferenças elástica, simbiótica e
altiva. Esta é a ditosa língua, minha amada.
Eu dedico este prémio a uma entidade
que é para mim pessoalíssima, à Grécia, cuja voz ainda paira sobre as nossas
mais preciosas palavras, entre as quais, quase intacta, a poesia. Dedico à
Grécia, sem a qual não teríamos aprendido a beleza, sem a qual não teríamos
nada ou, no dizer da Doutora Maria Helena da Rocha Pereira, "não seríamos
nada".
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