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Não foi por acaso que escolhi um ofício que tem a palavra como seu coração. E decidi, sim, ajudado e empurrado mas eu escolhi, escolhi que fosse assim, e que eu nunca esquecesse que é com as palavras que comunicamos uns com os outros, mas também é com elas que amamos, e que compreendemos, pensamos a realidade. Não se pense que o teatro não pensa. Pelo contrário, o teatro que gosto de fazer, já lhe chamei mesmo máquina de pensar. Para ler poesia ou para interpretar uma personagem o meu principal trabalho é reconstruir o eu capaz de as proferir. E a brincar a brincar, já passei pela cabeça de vários génios, de alguns santos, de demiurgos, e até, mais recentemente vi-me confrontado com a tarefa de sugerir a voz de Cristo nas 7 últimas palavras na cruz. É isso que representar permite. Percebe-se logo, quando se faz este trabalho que aquilo a que chamamos língua permite muitas funções e é reactualizado dos mais diferentes modos a cada leitura. Quando se lêem os textos sagrados sentimos imediatamente quanto estão incompletos sem que cada um de nós deles se aproprie e que só uma forte componente simbólica que cada um de nós lhe possa atribuir de acordo com a constituição da sua própria pessoa, as referências de que dispõe, as suas memórias afectivas, a sua experiência, lhes completará o sentido que é muito importante ir sempre mantendo em aberto. As palavras dos livros sagrados, traduzem como todas, um sentido, um pensamento. O que mais nos enriquece na sua leitura é o que tenho vindo a descobrir: o apropriamento individual que lhes decifre o sentido universal, não porque para todos seja o mesmo mas porque em todos os povos pode ter o seu sentido específico.Arrepia-me o início do Evangelho de João. No princípio era o Verbo e o verbo estava em Deus. A palavra, segundo o seu Evangelho, está no ponto de partida da existência da humanidade. E o Verbo se fez carne. E a carne criou pensamento. Entendo que o que estava em Deus passou para a consciência humana. Interrogo-me sobre o que diz o Génesis, que Deus disse ao primeiro homem que nomeasse todas as coisas, e é impressionante como o nome de cada um é importante nos textos bíblicos. Nomear, aponta, identifica, reconhece. Falo dos nomes próprios. Cada homem tem o seu. É essa primeira função da língua que é no fundo o reconhecimento da obra de Deus. Ah, quem conseguisse ser poeta sempre.
A FORMA JUSTA
Sei que seria possível construir o mundo justo
As cidades poderiam ser claras e lavadas
Pelo canto dos espaços e das fontes
O céu o mar e a terra estão prontos
A saciar a nossa fome do terrestre
A terra onde estamos - se ninguém atraiçoasse- proporia
Cada dia a cada um a liberdade e o reino
- Na concha na flor no homem e no fruto
Se nada adoecer a própria forma é justa
E no todo se integra como palavra em verso
Sei que seria possível construir a forma justa
De uma cidade humana que fosse fiel à perfeição do universo.
Por isso recomeço sem cessar a partir da página em branco
E este é meu ofício de poeta para a reconstrução do mundo.
Escreveu Sophia.
Os homens não se chamam todos Donald Trump. Nos Evangelhos chamam-se Tiago, João, Pedro, Tomé, filhos de outros com nome também, etc. Mas aos outros seres ou coisas o Homem fez de outra maneira, ao dar-lhes nome já os negou, substituiu o seu reconhecimento pela sua representação, começou a exercer sobre a obra de Deus poder, análise, síntese, começou a raciocinar, quando na sua invenção das palavras arrumou o universo com palavras que classificavam as coisas. Deus lhe deu esse poder, a inteligência : reconhece ou conhece a criação. Mas a tudo o que não é homem o homem não nomeia, inventa palavras que representam já as coisas, que são já abstracção (...)». Leia na integra.
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Se nos é permitido, nada substítui a Cornucópia, mas felizmente que Luís Miguel Cintra anda por aí, a partilhar textos magnificos que nos ajudam a pensar, a viver, como acontecia com o seu teatro. Leia na integra e divulgue, apetece recomendar.
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