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A leitura do artigo da imagem levou-nos a voltar a pontos de vista que já se têm registado aqui no Elitário Para Todos, pegando em passagens do mesmo, e contrariando-se a apatia que parece reinar. De facto, concorde-se ou não com tudo o que é dito no artigo o que se lê daria noutras ocasiões para indignação generalizada contra o emaranhado que é o apoio às artes. Olhemos então para alguns excertos que se numeram para facilidade de diálogo :
Excerto1 -
«Do estudo que me foi possível fazer cheguei a conclusões que transmiti ao
ministério, algumas das quais, admito presunçosamente, poderão interessar a
leitores deste jornal».
Esta passagem leva-nos a questões essenciais e, desde logo, à autoria técnica do que existe, e como foram acolhidos os contributos, sendo certo que o Decreto-Lei n.º 103/2017 nunca esteve em discussão pública. Mas, ainda assim, houve um inquérito que foi trabalhado por um Centro de Estudos e que foi apresentado em sessão privada no TNDMII a agentes que se inscreveram para o efeito (lembram-se!, houve um jornalista e critico de Teatro que só a custo conseguiu assistir). E certamente que não se fica por aqui, ou seja, pelo Power Point. Então, pensamos que faz sentido que o Ministério da Cultura (e certamente que os autores não se oporão a isso) divulgue todos os contributos que lhes chegaram e o documento final do estudo. E também terá lógica que sejam conhecidas as reflexões existentes nos serviços, porque é de crer que nem todos os técnicos pensem da mesma forma e que concordem com o que existe. E há uma razão clara e de fundo, é que as coisas não batem certo com o que politicamente é defendido pelo Governo e fixado nos seus documentos matriciais e com o que depois é operacionalizado.
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Excerto 2 - «A
lei que regula o apoio financeiro do Estado às artes estabelece fins e
objetivos desse apoio formulados através de expressões para mim
enigmáticas: “valorizar a fruição artística enquanto instrumento de
correção de assimetrias territoriais e de desenvolvimento humano,
social, económico e financeiro”, “coesão social e territorial”,
“qualificação dos cidadãos”, “valorização do território”,
“transversalidade setorial” e quejandas. Para
além de para mim ininteligíveis, revelam que o Estado entende que as
artes que apoia devem prosseguir objetivos que são exteriores a elas,
suas eventuais decorrências. Pretende orientar os sentidos da criação
que por sua própria natureza deve ser deixada livre de outros propósitos
que não sejam ela própria».
Este excerto decorrerá na sua essência do que está no artigo 3.º do diploma acima mencionado, a saber:
Se juntarmos outros excertos do diploma a obscuridade é cada vez maior. Olhe-se por exemplo para o parágrafo com que o preâmbulo do Decreto-Lei é iniciado:
Há uma falta de rigor que vai desde se confundirem valores com instrumentos, a não percebermos os termos que são usados: domínio, área, tipologia, modalidade,...Num momento pensa-se que é uma coisa, logo a seguir parece que o entendimento pode ser outro. E mais do que isso, não se sabe em que conceitos artísticos assentam. Quais são as referências técnicas. Não teremos dúvidas, «entre eles» - e quanto a ELES nem sabemos bem quem são - o «monstro» que é o «novo sistema» - velho como temos defendido - será claro, e a complexidade certamente virtude. E iremos jurar que a «opinião» e não a «técnica» será a matriz de trabalho.
Mas voltando ao artigo do Público, não deixa de ser aterrador que se ponha a hipótese de que há a possibilidade de o Estado poder intervir na liberdade de criação artística! Não queremos acreditar (nem como pesadelo) nessa eventualidade. Mas talvez aqui se aplique «eu não acredito em bruxas, mas lá que as há, há»...
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Excerto 3 - «O sistema que o Governo construiu inicia-se com um “plano estratégico” a ser aprovado pelo ministro da Cultura e conclui-se com o acompanhamento e avaliação das atividades desenvolvidas pelos artistas. Em minha opinião, o “plano estratégico”, tal como está previsto, é inútil, é impossível de ser feito (não há informação que o permita) e não vai existir nos termos em que a lei o prevê. A demonstração disto exigiria mais espaço do que o disponível. Mas a minha discordância essencial é sobre a existência de um plano, mesmo que fosse possível fazê-lo bem. É sobre a pretensão do Estado em intervir na criação estipulando-lhe utilidades e objetivos ainda por cima a anos de vista.
O articulista do Público fez uma leitura que nós também fazemos: o processo inicia-se com um Plano Estratégico - veja-se na coluna à direita deste blogue o dispositivo legal em «Onde está o Plano Estratégico Plurianual?» -, e por aqui nós queremos saber dele. Mais, a Administração Pública - a nossa e as demais - assentam num sistema de Planos: anuais/ plurianuais; estratégicos/operacionais; ... E para isso é necessário haver dados e informação. Conhecimento. E não temos. Relativamente aos apoios e não só ...
Mais uma vez, não nos passa pela cabeça que esse Plano Estratégico tenha a intenção de se imiscuir na vida dos Agentes Culturais. O seu eixo organizador tem de ser o SERVIÇO PÚBLICO que o Estado tem de garantir na esfera da CULTURA e das ARTES. E para isso temos muito com quem aprender, desde os designados Paises em vias de desenvolvimento aos Paises mais desenvolvidos, e neste blogue temos tido o gosto de dar a conhecer experiências doutros nestes domínios. Mais, quanto a relatórios, neste século XXI, marcado pela transformação atravessada pelo digital, são os RELATÓRIOS INTEGRADOS, que mostrem o presente e o futuro, o financeiro e o não financeiro, em torno do desenvolvimento sustentável, que estão a fazer o seu caminho. E para isso, repita-se, tem de haver sistemas de informação que não temos, embora nos inundem com SIMPLEX. Já temos de estar noutra! Fazer a história da DGARTES neste particular é um imperativo, ou seja, há que realizar uma AUDITORIA DE GESTÃO como há muito muitos reclamam. Mas quem ouve? Ninguém ...
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Excerto 4 -«Os diplomas que regem a concessão dos apoios são complexos, muitas vezes mal escritos, com abundância de terminologia veneranda a uma moda pseudo-científica, com múltiplos significados possíveis. Exige-se aos concorrentes, artistas que trabalham em estruturas frágeis, num diabólico formulário, informação transbordante, grande parte inútil, que lhes demanda um esforço excessivo e desnecessário. Ouvi e li de candidaturas que se estendem por entre cerca de 200 e cerca de 400 páginas de textos, orçamentos e anexos».
Pode ter-se uma ideia deste excerto do artigo do Público pela «Apresentação do formulário de candidatura».
E embora as criticas à Plataforma Electrónica dos Apoios (agora rebatizada em Balcão das Artes ) continue, em particular nas Redes Sociais, não deixa de ser inquietante que tenha menos visibilidade pública ... Uns já desistiram, outros já encontraram uma mecânica, alguns não têm tempo para tentar a candidatura e a reivindicação ... E há quem julgue que não pode ser doutra forma ... Alguém que ponha cobro a isto ... Quem sabe, como prenda de Natal a todos nós. Não apenas aos agentes culturais, isto interessa ao País.
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