«(...).Eu explico-me: já não posso com tantos afectos, tanto desejo de estar em cima das pessoas, tanta vontade de envolver tudo e todos numa sopa de pathos, como se fosse o pathos o que mais falta à vida pública portuguesa. Bem pelo contrário, o que falta é um quantum de racionalidade, nem sequer um quantum, que já por si só seria revolucionário, mas uma gigantesca dose de razão, de argumentos, de raciocínios, em vez de tornar a vida pública num festival de beijos e abraços, e de muita lamechice em relação à dor alheia. O problema é que quase se pode fazer uma correlação: quanto mais lamechice, menos reformas e menos mudanças. E de mudanças e reformas é que a nossa vida pública mais precisa.
Como muitas vezes escrevi e repito, a democracia precisa de doses equilibradas de logos (razão), pathos(emoção) e ethos (moral, virtude) e infelizmente está longe de as ter. Bem sei que atravessamos uma tragédia e as memórias vivas dessa tragédia estão por todo o lado. Compreende-se a emoção e seria mau que não existisse, e isso fez a diferença que tramou o primeiro-ministro e bem. Mas, passada a primeira e genuína impressão, naturalmente emotiva, há toda uma sobriedade que falta, há todo um momento em que há que dizer chega e passar para aquilo que é mais útil para todos, a começar por aqueles que perderam tudo nos fogos. Essa altura já passou há muito, e continuar no terreno do pathos, entre o genuíno e a exploração sentimental, não ajuda a resolver problema nenhum. Bem pelo contrário, é a melhor receita para uma política de má qualidade. O pathos é inimigo do tempo que é necessário para pensar, vive da imediaticidade». do Artigo de opinião de José Pacheco Pereira no Público.
Sem comentários:
Enviar um comentário