sábado, 21 de novembro de 2020

TALVEZ LHE INTERESSE | a intervenção do PCP no dia do centenário de nascimento de Bernardo Santareno

 

 

 Passagem:«(...) O seu complexo misticismo, herdado de uma mãe fervorosamente católica, que o levará a frequentar o Seminário dos Olivais, e a influência determinante de um pai republicano laico, Joaquim Martinho do Rosário, considerado, em Santarém, uma lenda, um símbolo do combate pela Liberdade, sofrendo, por essa determinação, as agruras de quem ousava situar-se do lado justo da História, terão influência na forma como ele olha para a sociedade do seu tempo, para a miséria e o atraso que nos tolhia como povo.

O seu teatro é reflexo dessa maneira de reflectir e de encenar a opressão salazarista, o medo e a ignomínia, mas também os dias jubilosos do nosso Abril maior.

Na peça Português, Escritor, 45 Anos de Idade, Santareno porá nas falas do pai, a seguinte frase: “O nosso filho compreendeu o meu sacrifício. Tem as minhas ideias, vai continuar a minha luta...” Ainda, e sobre o pai, escreverá mais tarde: “O meu pai esteve detido em todas as cadeias políticas portuguesas. As suas detenções foram sempre injustas. Na prisão, foi espancado e conheceu a tortura, tudo por causa das suas convicções políticas. Nunca esquecerei as ideias e os princípios políticos que ele me incutiu, em prol da defesa da liberdade.”

Bernardo Santareno formou-se em medicina, na vertente de psicologia e medicina familiar e fez, desde logo, a opção de trabalhar até ao fim da sua vida junto dos pobres e dos excluídos, vítimas de uma sociedade repressora, intolerante e violenta, ao serviço dos ricos e dos mais poderosos.

Durante vários anos, e até à sua morte prematura (tinha 59 anos), optou por exercer a sua profissão de psicólogo social, trabalhando com pessoas cegas e junto de jovens no Instituto de Orientação Profissional, onde Fernanda Lapa o conheceu e o ajudou a iniciar o seu percurso, por dentro da realidade do teatro que então se fazia no Portugal cercado pelo medo e pela Censura.

Tinha já percorrido os Mares do Fim do Mundo, em navios da frota bacalhoeira, experiência que transportará também para o teatro, com a peça O Lugre. Dessa experiência humana, que muito o marcou, dirá: A deslocação aos mares da Terra Nova foi encarada por mim como uma ida para a guerra ou para a Legião Estrangeira.

A sua vida como dramaturgo começa, depois da publicação de 3 livros de poesia, quando António Pedro encena, em 1957, no Teatro Experimental do Porto, uma das suas primeiras peças: A Promessa. 

Esta peça relata o drama de um jovem casal prisioneiro de uma promessa, da qual não se pode, nem consegue libertar, por fanatismo religioso, posição extrema, que levará o jovem casal a situações limite, negando os apelos da carne, mesmo contra a própria natureza humana.

Por pressões da Igreja, aquela que viria a ser considerada pela crítica “uma obra-prima” do Teatro Português, foi abruptamente retirada de cena, dias após a sua estreia, a pretexto de “não se integrar no pensamento moral que deve dirigir a nação”, segundo as directrizes dessa sinistra figura que foi António Ferro.

Do teatro de Santareno dirá, na altura, o encenador António Pedro: "Acontece, como me aconteceu, pegar sem fé num volume de peças de teatro de um autor desconhecido e descobrir, com deslumbramento, um grande dramaturgo português, com certeza um dos casos mais sensacionais da dramaturgia contemporânea depois do Lorca..."

Nesta, como em quase todas as peças de Bernardo Santareno, nomeadamente as que escreveu após o 25 de Abril, são evidentes os traços da sua formação ideológica e interventiva, logo, na defesa intransigente e corajosa que o autor nelas inscreve, de valores como o direito à diferença, o respeito pela liberdade e a dignidade do homem face a todas as formas de opressão, a luta contra todo o tipo de discriminação, racial, económica, sexual, ou ideológica.

(...)». Continue a ler.

 


Sem comentários:

Enviar um comentário