«Joaquim Benite nasceu em Lisboa em 1943. Começou a trabalhar como jornalista, aos 20 anos, no jornal República. Posteriormente fez parte da redacção do Diário de Lisboa e foi chefe de redacção dos jornais O século e O diário. Foi crítico de teatro no Diário de Lisboa e em diversas revistas e publicações.
Em 1971 fundou o Grupo de Campolide e estreou-se na encenação com O avançado centro morreu ao amanhecer, de Agustin Cuzzani. Com a peça Aventuras do grande D. Quixote de la Mancha e do gordo Sancho Pança, de António José da Silva, ganhou, no ano seguinte, o Prémio da Crítica para o melhor espectáculo de teatro amador.
Em 1976, no Teatro da Trindade, transformou o Grupo de Campolide em companhia profissional. Em 1978 a sua companhia instala-se em Almada, cidade de onde não mais sairia, e que transformou num dos principais focos teatrais do País, cujo expoente máximo será porventura o Festival de Almada, criado em 1984, e que em 2013 terá a sua 30ª edição. Em 1988, Joaquim Benite inaugura o primeiro Teatro Municipal dessa cidade, e em 2005 é finalmente concluído o projecto do novo Teatro Municipal de Almada — num edifício da autoria de Manuel Graça Dias e Egas José Vieira —, que se tornou num dos principais teatros do País.
Tendo criado mais de uma centena de espectáculos, Joaquim Benite foi responsável pela estreia em teatro de José Saramago, de quem dirigiu A noite (1979) e Que farei com este livro? (1980 e 2007). Encenou ainda obras de Shakespeare, Molière, Brecht, Lorca, Bulgakov, Camus, Adamov, Gogol, Beckett, Albee, Neruda, Thomas Bernhard, Sanchis Sinisterra, Antonio Skármeta, Pushkin, Peter Schaffer, Marguerite Duras, Dias Gomes, Nick Dear, O’Neill, Marivaux, Feydeau, Almeida Garrett, Gil Vicente, Raul Brandão, entre muitos outros.
Entre os seus últimos trabalhos contam-se: Que farei com este livro, de José Saramago (2007); as óperas A clemência de Tito, de Mozart (2008), O doido e a morte (2008) e A rainha louca (2011), de Alexandre Delgado; O presidente, de Thomas Bernhard (2008); Timon de Atenas, de Shakespeare (Festival de Mérida, 2008); A mãe, de Brecht (2010); Tuning, de Rodrigo Francisco (2010); Troilo e Créssida, de Shakespeare (2010); e Hughie e Antes do pequeno-almoço, de Eugene O’Neill (2010).
Entre os numerosos prémios e distinções com que foi distinguido, Joaquim Benite foi agraciado com as Medalhas de Ouro dos Municípios de Almada e da Amadora, e as Medalha de Mérito Cultural do Ministério da Cultura e Mérito Distrital do Governo Civil de Setúbal. Foi-lhe também atribuído o grau de Comendador da Ordem do Infante D. Henrique; os graus de Cavaleiro e Oficial da Ordem das Artes e das Letras de França; e o grau de Comendador da Ordem do Mérito Civil de Espanha».
Joaquim Benite lia o Elitário Para Todos, e em algumas ocasiões nos deu conta disso, nomeadamente quando os posts se referiam à Companhia de Almada, ou ao Teatro em geral, ou a ele mesmo. Coisa que sempre nos surpreendeu. No meio da azáfama da sua vida arranjava tempo para estas atenções. Numa das últimas vezes que escrevemos sobre Benite, o titulo da Mensagem é SABEDORIA:
«Há 30 anos, fazíamos bailes ao fim de semana para arranjar dinheiro para manter uma peça de teatro. Bastava alguma flanela preta e pouco mais para entrarmos em cena. Hoje isso já não é possível, porque o público é muito mais exigente. Demos-lhe a escada e deitamo-la fora. Cedo demais. Criar público é uma tarefa que exige prudência e audácia, faz-se fomentando uma relação sólida com a comunidade, com as escolas, requer um trabalho de cariz social … São práticas que levam anos a desenvolver mas que quando travadas são fulminantes: matam o público. Recuperá-lo é impossível». E avisou: «Desenganem-se os nossos governantes se pensam que mantendo apenas a porta aberta alguém vai entrar». Joaquim Benite - Expresso 2012/07/21.
Do que já se escreveu neste momento em que Benite nos deixa, depois de ouvirmos e lermos a crónica «SINAIS» de Fernando Alves de hoje não podiamos deixar de a trazer para aqui:
Do que já se escreveu neste momento em que Benite nos deixa, depois de ouvirmos e lermos a crónica «SINAIS» de Fernando Alves de hoje não podiamos deixar de a trazer para aqui:
«Foi jornalista antes de chegar ao teatro. Integrou equipas de luxo no Diário de Lisboa e no República. E, durante algum tempo, dividiu-se por duas paixões, pisou as duas tábuas. Mas em 78 passou para a outra margem do rio. Em Almada ergueu um projecto sólido num teatro azul. Teve de enfrentar governantes cuja ignorância fustigava. Foi feito cavaleiro das artes e das letras pelo governo francês mas, quando lhe lembravam isso, dizia que ainda estava à espera do cavalo. Agora é tarde.
Esta manhã as notícias falam dele e de coisas que ele pensava e dizia: que "os encenadores nunca ficam na história, quem fica na história são os escritores como o Shakespeare".
Ora o Shakespeare foi guardador de cavalos antes de ficar na História. E ele que, por várias vezes, encenou Shakespeare, escuta agora, na grande pradaria, o tropel de vozes shakespeareanas. Uma voz grita que " a cólera é um cavalo fogoso". Outra é a voz de Ricardo III oferecendo o reino por um cavalo.
Ele dizia também que o teatro não tinha missão nenhuma. Numa entrevista ao jornal i, há coisa de um ano, contou que, certa vez, uma vereadora lhe perguntou se não tinha uma peça "que ensinasse os miúdos a lavar os dentes". Ele respondeu que, a existir, a missão do teatro seria a oposta, trataria da revolta contra a obrigação de lavar os dentes.
Esta madrugada, quando escutei a notícia da morte dele, da morte de Joaquim Benite, tive uma estranha vontade de deixar no copo a escova de dentes. Mas lembrei-me do que ele tinha dito sobre o teatro como um sinal de civilização que está na origem da sociedade. Até nos animais, sublinhava o Benite. E ele contava: "Quando chego a casa, o meu cão faz uma dança que parece egípcia. São rituais de representação".
Ora ele acreditava que o jornalismo e o teatro têm pontos em comum. Num e noutro palco, "sabemos que não estamos a trabalhar para a glória", dizia o Benite.
Assim sendo, lavei os dentes e cá estou. Montado no meu cavalo de pau, fazendo a vénia ao cavaleiro da ordem das artes e das letras que, tantas vezes, provocando a lágrima, o riso, o assombro, nos mostrou o cavalo fogoso da cólera ou a desconcertante capacidade de um cão para a arte da dança».
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