Jornal Público de 9 Março 2015
De lá com sublinhados nossos:
«Bem sabemos que o tempo não está para grandes reflexões estratégicas. Sobretudo na área da Cultura e, dentro dela, do património cultural e dos museus. Tudo aqui se vem medindo no curto prazo, por entre jogos de máscaras.
Esgrimem-se números de visitantes, mas omitem-se as receitas que demonstrariam o descalabro da capitulação do interesse público, afundado em ambiente de “sempre em festa”, que aproveita sobretudo a privados. Afirma-se o apego à cidadania, mas reduz-se dos 14 para os 12 anos a entrada gratuita em museus — isto quando em quase toda a Europa tal gratuitidade vai até aos 18 anos (ou até aos 25 anos no caso dos estudantes), idade para a qual, até entre nós, se alargou recentemente a isenção de taxas moderadoras na Saúde. No fundo, no fundo, deixou-se de acreditar na Cultura enquanto força de transformação social e começam a erguer-se os espectros dos que pretendem de novo separar “cultura viva” ou performativa, de “cultura morta” ou patrimonial. O quadro político previsivelmente emergente do ciclo eleitoral que ora começa dá o mote aos mesmos do ciclo anterior, que aliás facilmente se irmanarão com os actuais, bastando para isso encontrar um qualquer “pote de mel” onde todos possam meter a mão. E não admira que assim seja porque se há área da governação facilitadora do exercício do bloco central, ela é a da Cultura: basta recordar como o último secretário de Estado do Governo Sócrates veio depois a merecer a confiança do Governo Coelho, que dele fez director-geral. (...)
Lutamos depois para que se regresse ao bom espírito republicano e do pós-1974 em matéria de participação cidadã, e nomeadamente associativa, na definição das políticas do património cultural. O actual Conselho Nacional de Cultura, que em plenário não passa de fórum de teatralidade político-mundana e em secções técnicas é amplamente dominado por “gente da casa” (membros por inerência ou nomeados pela tutela), deve ser totalmente refundado em bases democráticas. (...)
Finalmente,
no que respeita à orgânica da Cultura priamente dita, cremos que se deve ser
mais radical, até por ser aqui onde mais rapidamente se poderá fazer com que
alguma coisa mude, para que tudo fique na mesma. Impõe-se, por isso, proceder à
extinção da DGPC. Em seu lugar poderia criar-se um Instituto dos Museus e
Monumentos Nacionais, dotado de autonomia financeira e com ampla
descentralização administrativa. Aos museus nacionais deveria voltar-se a
conferir capacidades que já tiveram, acrescidas de outras que tornem todo o
edifício mais racional, com a vantagem de economias de escala acrescidas: maior
latitude de planeamento estratégico e gestão, dentro de planos de actividades
plurianuais, habilitação para o estabelecimento de parcerias e protocolos
(mormente no caso de projectos europeus e dos fundos assim originados),
capacidade de arrecadação e gestão de receitas próprias, dentro de limites a
definir, orçamento próprio, contratação de pessoal dentro de condições a
definir, etc. As funções de reflexão estratégica e definição de normativos,
monitorização e fiscalização em relação a todo o restante património cultural
manter-se-iam neste instituto, em direcções de serviço centrais. Poderiam
também, parcialmente e em alternativa, ser partilhadas com a área do
Ambiente/Território e/ou com as CCDRs, dando início a um verdadeiro processo de
regionalização.
Importa
ainda, e muito mais, extinguir as DRCs, que de regional pouco ou nada têm,
substituindo-as por “núcleos” ou “brigadas” de intervenção rápida, fazendo uso
dos meios logísticos existentes na rede de museus e monumentos nacionais, com
reforço operacional destes, instituindo-os em “centros de recursos” (inventário,
conservação e restauro, etc.) ao serviço da sua respectiva região/especialidade.
Se tudo isto for feito, acreditamos que a Cultura, de novo organizada em
Ministério, poderá retomar o lugar que lhe compete numa verdadeira política de
desenvolvimento cidadão. Caso contrário, não será difícil antever o seu
progressivo definhamento, acantonada em mero veiculo distribuidor de pequenos
subsídios, no caso das artes performativas, e esvaziada das funções da
salvaguarda e promoção da memória patrimonial, que veremos descaracterizar-se,
ao serviço do mercado turístico. A consigna será então simplesmente uma: "Follow the money". Leia na integra.
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