quarta-feira, 25 de novembro de 2015

«A PASTA DA CULTURA»


(«Logo» já teremos  e, a nosso ver, bonito.
 Sugestão: recupere-se. E funcionava também
como uma homenagem ao autor)

A um tempo, por sugestão e a pedido de leitores deste blogue, aqui fica o texto de RUI VIEIRA NERY a propósito do Ministério/Ministro da Cultura, publicado no Facebook:
«A pasta da Cultura - quando existiu, de facto, o que exclui liminarmente os últimos quatro anos - tendeu quase sempre a ser confiada, mais ou menos no último momento da constituição do elenco governativo, a uma personalidade oriunda do meio cultural, com a consequência positiva do conhecimento directo do sector em muitos casos claramente anulada pelo efeito negativo do peso político quase nulo do/a respectivo/a titular no seio do governo em causa. A nomeação de João Soares, um quadro político-partidário muito experiente com um considerável capital de influência entre os seus pares no Conselho de Ministros, deve ser entendida, a meu ver, como um sinal de compromisso claro do Primeiro-Ministro com a valorização política da pasta que lhe foi confiada. João Soares é um lutador com a persistência e a energia de um buldogue e não se resignará certamente ao tradicional estatuto de menoridade deste sector, o que fará dele, nestas circunstâncias, um aliado muito relevante da causa da Cultura. Causa que, de resto, não lhe é de modo nenhum estranha, tendo em conta a herança muito positiva que deixou em Lisboa neste domínio, primeiro como Vereador com o pelouro cultural, depois como Presidente da Câmara.
O Ministro da Cultura não é - e não deve ser nunca -, no exercício das suas funções, um programador. Não lhe cabe estabelecer uma política de gosto, escolher artistas e repertórios, emitir - e muito menos impor - directrizes estéticas. É um decisor político, um estratega e um gestor, cuja principal responsabilidade é lutar por uma dotação orçamental adequada para o seu ministério e administrá-la de modo a garantir o cumprimento das obrigações constitucionais do Estado no âmbito cultural: por um lado estimular o acesso democrático dos cidadãos à criação e à fruição da Cultura, por outro garantir a intensidade, a diversidade e a liberdade da produção artística e cultural. E isso João Soares já deu provas de que pode e sabe fazer, independentemente de qualquer avaliação dos seus gostos pessoais em matéria de Literatura e Arte, que para o efeito são irrelevantes.
João Soares tem pela frente o desafio tremendo de reconstruir quase do zero um Ministério que foi dinamitado, primeiro por uma suborçamentação crescente ainda sob os governos de José Sócrates, independentemente do esforço louvável de alguns dos titulares da pasta nesse período, depois pela desastrosa política de terra-queimada que o governo de Passos Coelho instaurou neste campo. Cabe-lhe autonomizar sectores que foram disparatadamente amalgamados, definir para as instituições culturais modelos orgânicos dotados da necessária especificidade e flexibilidade, libertar-se da tutela abusiva e incompetente das Finanças em áreas que devem ser da competência directa do seu Ministério, conseguir instrumentos de orçamentação e programação plurianuais para as políticas da Cultura, estabelecer novas regras transparentes e fiáveis de relação do Ministério com os criadores e produtores culturais. Vai, por outro lado, ter de gerir a coordenação dos sectores da Cultura e da Comunicação Social, com toda uma área de cruzamento fundamental na área do Audiovisual. Precisará por isso de se rodear de gestores culturais experientes e já com reflexão sólida sobre a matéria, começando logo com a escolha do/a seu/sua Secretário/a de Estado, e terá de saber distinguir entre o nível de direcção política que lhe compete e a esfera da decisão técnico-profissional, que não pode ser objecto das precipitações e dos improvisos amadorísticos que tantas vezes marcaram a acção governamental neste campo nas últimas décadas.
Pelo meu lado confio na sua capacidade e desejo-lhe as maiores felicidades nesta missão. É o que espera uma sociedade civil privada há tanto tempo do seu direito constitucional de acesso à Cultura. É o que espera também a geração de profissionais das Artes e da Cultura que na óptica da relação entre massa crítica e preparação é por certo a mais qualificada da nossa História».

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