«Não se pode lembrar Norberto Ávila sem recorrer à memória de um escritor (sobretudo) dramaturgo, que teve com a escrita urna relação de amor/ desamor, vivendo na cumplicidade de criar estórias com as pessoas de um imaginário quase sempre esotérico mas possível. A criatividade acaba por ser uma necessidade, ou melhor, uma condição para que se possa entender a liberdade que Norberto Ávila utilizou na construção das suas personagens. o departamento editorial da Imprensa Nacional-Casa da Moeda publicou, em quatro volumes, as dezenas de textos teatrais de Norberto Ávila, sabendo que estava a relevar um dos mais notáveis dramaturgos do século XX em Língua portuguesa. Foi essa a vocação principal de uma vida inteira, que soube desprender-se de pergaminhos «políticos» bem remunerados para, após frequentar a Universidade de Teatro das Nações (1963-1965) em Paris, ficar pela aventura de representar a vida no palco do seu quotidiano. Foi-lhe então possível conhecer a geografia que se deixa dominar pelo poder da ação através das palavras, em verdadeira babilónia de línguas, mostrando, porém, a unicidade dos valores da Humanidade. Frente à Cortina de Enganos resulta da transformação narrativa romanesca da peça Fortunato e TV Glória. Trata-se, porventura, de um exercício de escrita que Norberto Ávila sentiu realizado sob o mesmo esquema em A Paixão Segundo João Mateus – texto teatral que padece de um ostracismo lamentavelmente ignorante, uma vez que a sua representação traz a marca sensacional do sucesso. Norberto Ávila quedou-se pela morte enquanto colocava uma espécie de ponto final em Frente à Cortina de Enganos – texto a ser publicado pela Editora Letras Lavadas. É uma estória socialmente bem humorada, pronta a ser lida sob a subtileza de uma escrita que ele oficinava em entrega sábia e paciente. Frente à Cortina de Enganos dá-nos este perfecionismo, dizimando as necessidades cénicas, conquistando o leitor para os domínios da ficção narrativa e para a quietude do que o romance tem de encantatório. Norberto Ávila (1936-2022) nasceu em Angra do Heroísmo; faleceu em Lisboa.»
Álamo Oliveira Raminho, junho de 2022
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