quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

MILHÕES



Não tenho nada contra o dinheiro. Traduzindo-se em projectos podemos até pensar que não está presente, que neles se concretiza quando os projectos se materializam como mudança real dos panoramas existentes de vida cultural activa, de práticas artísticas, de vivências democráticas veiculadas pela experiência e experimentação do artístico na sociedade. Para além disso há duas coisas evidentes nos dias que correm, uma delas é que a chamada crise – suspensão da pluralidade de opinião em nome de vestir a camisola do clube da unanimidade pátria face à dívida gerada pelos sem rosto do mercado, o intocável – levou a uma valorização do dinheiro absurda, assumindo-se que com raspas se fazem pirâmides realmente egípcias e outra é que o dinheiro, que quando há é para usar como meio, regressou em força ao altar próprio do que é fetiche, tornando-se desejado e inalcançável nas duas mesmas faces de uma moeda ritual, incensado pelos que o tratam diariamente nos média com o amor conhecido, de bolso próprio e com gestos de sacerdócio aplicado e reverente, pois os papas da coisa vigiam com os olhos do lucro o que os seus estipendiados praticam diariamente nos ecrãs.
Vem isto a propósito da intervenção que o primeiro-ministro fez no CCB em torno do anúncio de cerca de 4.500 milhões de euros – EUROS – para finalidades culturais. Os projectos apresentados são em si interessantes, mas o financiamento alcançado daria para fazer de modo muito humilde, metade de um deles à espera de que chovesse o resto do dinheiro necessário – uma arquitectura é uma arquitectura e para a realizar não basta levantar uma parede e deixar para o dia de são nunca, alicerces e telhados. Uma rede de teatros com programações consequentes não se faz com trezentos mil contos, mais ou menos um terço dos dinheiros da Dona Maria que para nada serve a não ser para delapidar meios financeiros públicos que deveriam ser re-projectados – para quando um concurso com um júri idóneo, internacionalizado, à falta de competências nacionais e já que não conseguimos gerar um projecto consequente nesta casa essencial que, por si, e com o que nela se aplica, poderia modificar parte do panorama teatral português?
Porque as programações não são circulação se querem ser riqueza, não são bilheteira, são criações, são formas objectuais com identidades artísticas próprias singulares e não miméticas e isso significa um quadro de produção muito mais complexo e financeiramente pesado. Uma programação significa criação, formação, divulgação, circulação, publicidade, multiplicações em suportes vários, sofisticação técnica artesanal e tecnológica, estratégias de aprofundamento, parcerias, co-produções, internacionalização, tudo num mesmo gesto culto e orientado como não há quem em Portugal o faça de um modo integral e profissional, pois estas matérias estão, nas maior parte dos casos, entregues a fiéis dos chefes das autarquias, burocratas, meninos bem fabricados à pressa pelo meio bacoco e amadores de arte de consumo comercial, consumidores armados em programadores – a democracia, enquanto qualificação, nestas vertentes de actividade não existe.
E a questão é de uma evidência que não pode ser mascarada: em 1990 o CAT (Centro Andaluz de Teatro criado pelo governo de Alfonso Guerra) tinha um milhão de contos, isto é, 5 milhões de euros para um ano de actividade. Nem vale a pena referir que o Deutches Theater mesmo com a crise e a integração da nova Alemanha terá qualquer coisa como mais de 20 vezes o que aqui se refere e é um teatro. Somos mesmo duas Europas e se somos assumamo-lo pois há muito a fazer com o dinheiro que está investido, muito mais do que aquilo que se faz com o necessário dinheiro a inventar, pois não se pode deixar de considerar positivo que estes dinheiros apareçam. Mas são necessários dinheiros numa outra escala e principalmente uma revolução sistémica do que existe.

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