domingo, 18 de setembro de 2011

CAPITAIS, CULTURAIS E EUROPEIAS



Uma intervenção que fiz em COIMBRA e que quero também partilhar aqui, onde digo por exemplo:

Capitais, culturais e europeias
1.     O evento: a primeira circunstância será a da pertinência deste nome na análise, evento, grande evento, evento único e o que nos diz da coisa, da localização, do tempo e das amplitudes de sentido que partilhe e dissemine. Evento – palavra que se usa para tudo o que misture acontecimentos, aparentes intensificações de densidade de experiências sensíveis sob a forma de mediatizações e espectáculo, isto é, todas as coisas, tudo o que acontece, o que traduz logo o que na realidade é mais oculto – pelo excesso da luz do visível que cega como cega um sol frontal - no que transparece e transborda numa Capital Europeia da Cultura: a de que nada acontece de mudança, de transformação de horizontes concretos de vida com a alteração das condições de criação real que não acontecem e que deveriam, caso acontecessem, activar o papel das artes e da cultura, a sua inscrição, o enraizamento diríamos melhor, das suas práticas na vida quotidiana da cidade – enraizamento significa o contrário de sobrevoar, de surfar, significa a incorporação de uma nova orgânica vital. É essa mudança que não chega, em que não se aposta, significaria outra forma de viver, outra estruturação da vida na cidade, outros modos de criar e fruir pertencentes ao corpo urbano. A que associamos evento? À rapidez, ao seu desaparecimento e à sua substituição por um novo evento portanto, entretenimento intenso de um ano, feira ou como lhe queiram chamar.
(...)
         Estas capitais são justamente sistemas de ilusão na produção do novo, são formas de o mascarar. São máscaras do novo, dado que o novo pouco tem a ver com a constante inovação dos seus aspectos – o que o design, esse fiel servidor do marketing, cumpre – mas tem a ver justamente com o surgimento do que não está pré-definido como aquilo que é a formação do gosto, ou dos gostos e não a sua formatação. O novo não se anuncia, nem se autopromove em publicidade, muitas vezes leva décadas a ser parido com expressão social, assim aconteceu com livros determinantes ou com as publicações de Pessoa em vida – um novo certamente muito complexo e por muito que o queiram, dificilmente convertível numa qualquer moeda de troca como acontece a muito objecto que se assume artístico, particularmente na ordem do que é hiper-visível e pleno de pirotecnia fugaz: quando se vai por eles já lá não estão, como a maioria dos espectáculos do tipo performativo que justamente radicalizam a sua instantaneidade e a sua inutilidade expressiva, a usa fugacidade, porque em boa verdade nada têm para dizer, o que os mais honestos assumem ao assumir a saturação dos espaços de produção possível de sentido como o território único do que praticam. Esquecem, estes, que as realidades são mais do que as que eles tocam e que há outras vidas e até outras castas e territórios de inscrição da cultura e da arte. Não se trata apenas da função social, trata-se de que as coisas não se podem desligar de um desígnio democrático – nada mais chocante que um concerto de câmara num campo de concentração.


(...)»


Sem comentários:

Enviar um comentário