segunda-feira, 4 de julho de 2022

COMEÇA HOJE |«Com o verão, e com o mês de julho, vem também o Festival de Almada»

 

 
Excerto do trabalho de João Carneiro  
no semanário Expresso, desta semana, em que
 muitos certamente se reveem: 
 

Com o verão, e com o mês de julho, vem também o Festival de Almada. Na irregularidade e na instabilidade da existência, na ansiedade que percorre os dias e as noites do tempo presente, esse regresso tem, à sua maneira, alguma coisa da regularidade que gostamos de imputar a coisas como as estações do ano, a sucessão dos dias e das noites, a passagem das horas, os ciclos de vida, morte e regeneração. Não se trata de tentar imprimir ao festival uma grandeza cósmica, nem uma dimensão que iguale a da criação do Universo. É uma coisa que à sua escala, na sua dimensão, é necessariamente pequena, até porque o país é pequeno, Almada e Lisboa estão dentro desse país pequeno, e a cultura é uma coisa que se passa em círculos muito restritos, por maiores que eles possam, por vezes, parecer. Foi, aliás, esta característica de escala que marcou, em grande medida, uma conversa com Rodrigo Francisco, diretor artístico do Festival de Almada, acerca da edição deste ano. Em questão estava o regresso à normalidade, depois de dois anos de pandemia, dois anos de tudo ao contrário.

 E de uma normalidade que passava, essencialmente, pelo regresso do festival ao ar livre — ou do regresso do ar livre ao festival, por uma vez o trocadilho acerta, pese alguma vulgaridade discursiva e retórica. Era aí que julho, verão, longos dias e extensos fins de tarde iam encaixar. Ao festival regressavam os encontros com os criadores, na esplanada da Escola D. António da Costa, pelas seis da tarde. Ao festival regressavam, e regressam, os concertos ao ar livre, na mesma esplanada, e que prolongam paragens na esplanada enquanto algumas pessoas vão jantando; este ano há concertos todos os dias, prolongando um prazer que acompanha, assim, o prolongamento do dia a entrar na noite, ela mesma cheia de promessas. Rodrigo Francisco não se cansava de acentuar a importância dessa vida na esplanada, intensa, animada, e motor de uma reorganização do pequeno tecido urbano que tem o festival, e o lugar da esplanada, como centro. São as pessoas que passam na rua e veem pessoas a falar com artistas ou ouvem música; são os comerciantes que veem os negócios render mais durante o festival, com os lanches e jantares fortemente aumentados; são os vizinhos que veem e ouvem coisas que ali se passam, que ouvem das suas casas e das suas janelas a música ao vivo na esplanada. E, se quiserem, as pessoas podem entrar, ficar ali e fazerem parte daquilo tudo, ou não. Podem continuar o seu caminho e, porventura, regressarão. É este microcosmo e é esta atitude que fazem a grandeza do festival, desde o seu início, em 1984, quando Joaquim Benite o criou para animar o centro histórico de Almada. O Festival de Almada começa ao ar livre, como sempre começou (a pandemia é a exceção), na noite do dia 4 de julho, no palco grande da Escola D. António da Costa — descendo as escadas que levam da esplanada ao interior do edifício, e regressando ao ar livre, mas a um outro ar livre, dentro da escola. Este ano começa e acaba nesse palco, com criadores que regressam e vão mantendo uma relação de continuidade. (...)».

 

 

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