De rosto austero, angular, dir-se-ia que feito de pedra no lugar da carne, uma mente que esquecia Coleridge para dar lugar a Sade, e um corpo que entre Coleridge e Sade preferia o futebol popular – assim lembramos Pier Paolo. Tão genial quanto polémico e senhor de uma vida tão controversa quanto a própria morte – assim lembramos Pasolini, um observador exímio do interior das coisas, de óculos escuros quando cai a noite, como que tentando, já cansado, não as ver sempre tão nítidas. (...)». E como não reparar mais adiante nisto: «(...) No número do jornal L’Unità, órgão central do PCI, que seguiu o brutal assassinato de Pasolini, a redacção descreve-o e bem, como um “verdadeiro militante”, contudo, tal reconhecimento pecara por tardio. Activo desde cedo, Pasolini foi leal ao Partido sem nunca esconder divergências, chegando mesmo a ser responsável local. Quando a sua cabeça pensante insistia na auto-crítica no seio de um partido em declínio que não sabia falar às massas, o mesmo não quis ouvir. Ao passo que o mundo começava a reconhecer a importância incontornável de Pasolini, o seu partido escolheu expulsá-lo, justificando-se de forma um tanto medíocre ao relacionar o cineasta com “influências degenerantes”, uma vez que não poderia dizer publicamente que o expulsava pela sua homossexualidade. Mesmo assim, Pasolini não lhe rogou pragas e sempre lutou, con tutta la rabbia, con tutto l’amore, acompanhando o movimento comunista internacional. Um verdadeiro militante.(...)».
Do espectáculo apresentado em Almada, de inicio, pelo que iamos lendo, buscávamos algo mais prático, digamos, mais ligado à nossa profissão: como preservar o património imaterial; como assinalar um centenário. Mas depois, lá, na sala, esquecemos tudo isso e deixámo-nos levar por aquela poesia e simplicidade assente em profissionalismo e no rigor tão próprio do Teatro, e de quem domina o espetáculo por dentro. Lembremos o propósito do «Museo Pasolini»:
«Naufraga em teu mar maravilhoso, liberta o mundo.
In À minha nação, poema de Pier Paolo Pasolini
Como criar um Museu Pier Paolo Pasolini? Para responder a esta pergunta, Ascanio Celestini criou Museo Pasolini, que durante 2022, o ano em que se assinala o centenário do nascimento do poeta, percorre toda a Itália. Celestini aplica de novo a um projecto a forma pela qual ganhou prestígio nos palcos italianos durante os últimos trinta anos: uma mistura de técnica narrativa com investigação antropológica.
Em cena, o actor tem um diálogo imaginário com um historiador, um psicanalista, um escritor, um leitor, e alguém que de facto conheceu Pasolini. O objectivo é escolher os tais objectos que podem provir de sítios tão diversos como um velho armazém, uma lixeira, uma biblioteca ou uma secção de objectos perdidos e achados.
Impregnado de uma fina ironia, Ascanio Celestini responde aos quesitos definidos para qualquer museu: pesquisa, aquisição, conservação, comunicação e exposição.
Citando Vincenzo Cerami, um dos mais famosos argumentistas da História do cinema italiano: “Se pegarmos em toda a obra de Pasolini, desde os primeiros poemas que escreveu aos sete anos até ao seu último filme, Saló ou os 120 dias de Sodoma, temos o retrato da História italiana desde o fim do fascismo até à segunda metade dos anos setenta”». Saiba mais.
Dizem-nos que o espetáculo está disponível na internet - mas bem sabemos que não é a mesma coisa. Numa procura rápida encontrámos um trailer:
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