Disponível aqui, no jornal Público |
Excertos:
«(...)
Compreende-se, deste modo, a
falácia dos critérios de pretensa
“utilidade económica” que têm
caracterizado algumas das políticas científicas neoliberais dos
últimos anos, segundo as quais
haveria que dar clara prioridade
às ciências aplicadas, geradoras de
patentes potencialmente lucrativas,
em prejuízo sistemático das
ciências ditas “puras”, que seriam,
nesta óptica, um fim em si mesmas
e por isso mesmo, por definição,
economicamente improdutivas.
Do mesmo modo que nas políticas
culturais se deveria privilegiar as
chamadas “indústrias culturais”,
vocacionadas para o impacto alargado
no grande público e enquanto
tal geradoras, por excelência, de
oportunidades de emprego e de
mais-valias acrescidas, em desfavor
das vanguardas artísticas experimentais,
alegadamente restritas
a elites auto-centradas e como tal
desprovidas de valor — é, de resto,
a visão que se encontra plasmada,
por exemplo, nos pressupostos do
programa Europa Criativa, que
veio substituir na União Europeia
os objectivos mais explicitamente
culturais do anterior programa
Cultura 2000
.
(...)
Mas independentemente deste
outcome económico, é no próprio
cerne do pensamento científi co
que esta interdependência incontornável
das ciências exactas tradicionais,
por um lado, e das ciências
sociais e humanas e das artes
e humanidades, por outro — ou, se
preferimos, da ciência e da cultura
como vertentes indissociáveis da
produção de conhecimento —, se
revela cada vez mais evidente.
(...)
Da mudança climática à pobreza e
à doença, os desafios do nosso tempo
são inevitavelmente humanos na
sua natureza e na sua escala, e as
questões da engenharia e da ciência
estão sempre mergulhadas em realidades
humanas mais amplas, desde
tradições culturais profundamente
enraizadas a normas de construção
civil e a tensões políticas. Por isso
os nossos estudantes precisam também de adquiri um conhecimento
aprofundado das complexidades
humanas — as realidades políticas,
culturais e económicas que moldam
a nossa existência —, bem como fluência nas poderosas formas de pensamento
e de criatividade cultivadas
pelas humanidades, as artes e as ciências sociais.
(...)
Mas o legado de José Mariano
Gago vai mais longe, ao lembrar-nos
de que a prossecução do conhecimento,
em qualquer ramo,
não é um gesto asséptico isolado
do contexto social mais amplo em
que se processa e livre das responsabilidades
de solidariedade
humana que este implica. E que
essa missão não faz sentido se não
estiver submetida a um forte imperativo
ético e cívico, que contraponha
ao primado neoliberal do
valor de troca como único critério
de utilidade social a construção de
valores mais nobres: os do Bom,
do Belo e do Justo. (...)».
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