Os traumas dos filhos dos presos políticos
Ela foi uma das milhares de crianças portuguesas marcadas por serem filhas daqueles que ousaram combater a ditadura. Conhecia-a há poucos dias em palco na peça “A Colónia”, de Marco Martins, que está em cena até 14 de dezembro, na Culturgest.
“Sou professora de geografia porque isso ajudou a libertar-me da geografia de viver numa casa fechada. Dou a geografia do Portugal democrático.”, afirma Manuela de corpo firme e voz segura para todo o auditório da Culturgest.
Manuela é a personagem central numa peça que mistura atores e não atores, e um grupo de jovens que são o futuro e a esperança de que não se repitam os males do passado.
“Eu confio em ti para contares a minha história”, terá dito Manuela a Marco. E essa frase é uma das mais repetidas neste espetáculo. Sobre confiança e troca nisto de contar vidas e memórias reais com as ferramentas da ficção.
Ainda estou a processar o forte impacto deste espetáculo e o que vi, ouvi, senti. (...).
A importância da memória
Vida, jornalismo, arte. O resultado agora levado ao palco é poderoso. E profundamente comovente. E ensina sobre a importância da memória.
Porque com essa certa habilidade para esquecer, a Humanidade tende a repetir os mesmos erros.
Esta é a primeira peça de Marco Martins baseada numa investigação histórica, e que teve como ponto de partida uma matéria jornalística. E é um espetáculo necessário, que importa ser visto pelo maior número de pessoas, de todas as idades e quadrantes políticos.
Não só pelos jovens e pessoas de meia idade que nasceram ou cresceram em plena liberdade, mas também pelos mais velhos, que quase esqueceram o tempo da ditadura e da PIDE, que perseguia, torturava e encarcerava homens e mulheres que ousavam discordar do regime.
Cinquenta anos na história de um país não é muito, mas parece ser o suficiente para um certo apagamento ou branqueamento dos tantos horrores praticados durante o Estado Novo em Portugal.
Que seja visto também por aqueles e aquelas que afirmam que ‘antigamente é que era bom.” (...).
Arte que confronta a vida
Ele eleva a arte a um lugar de questionamento sobre nós e os outros, dando tantas vezes voz a quem não a tem, e leva-nos a refletir neste confronto entre arte e vida, vida e arte.
Entrevistei Marco Martins há tempos para o podcast que assino no Expresso e podem escutá-lo aqui.
Ver aquelas crianças da colónia, hoje adultos, a partilhar as suas dores e traumas em palco, e a emocionarem-se nos seus relatos, entra-nos na pele, e é mesmo uma catarse coletiva.
Joana Pereira Bastos, que acompanhou o processo, deu-me conta disso. (...)».
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