«Vamos
lá ver se a gente se entende: O que seria do nosso
país, ou mesmo da Europa, se não contasse com a expressiva força de
trabalho dos imigrantes?
Seja
na área dos transportes, da agricultura, da construção civil, das
pescas, da restauração e hotelaria, na saúde, nos lares ou apoio de
idosos, no turismo, e por aí fora. Parava. Falia. Dava o berro.
Desacertava o passo neste mundo competitivo e veloz.
Ajit
Hanssraj, presidente cessante da comunidade hindu, recordou ontem
que são tantas vezes os imigrantes que asseguram o “3D Work”:
Difficult (difícil), Dirty (sujo), Dangerous
(perigoso).
Em
troca, Portugal tem a obrigação moral e ética de garantir de volta
dignidade e direitos humanos, respeitando e integrando todas as
pessoas que escolhem viver e contribuir para o nosso país.
A desconfiança com base em
nada
Que
não haja dúvidas, os imigrantes ajudam a
sustentar a economia,
além de nos trazerem mais mundo e diversidade cultural.
Mas há quem olhe para eles com desconfiança, e o governo parece alimentar de forma
irresponsável esse desconforto, com base em coisa nenhuma.
No
ano em que se celebram os 50 anos do 25 de abril, e a poucos dias
do Natal, a PSP e o governo presentearam esta quinta-feira várias
dezenas de imigrantes na rua do Benformoso, no Martim Moniz, com um
tratamento maldoso, humilhante e perverso, digno do antigo regime
fascista.
Como
se de um pelotão de fuzilamento se tratasse.
Senti vergonha alheia e
repúdio pela forma como aquelas pessoas, só por serem imigrantes,
foram encostadas à parede, de costas, como se ali estivesse um
gangue de perigosos rufias, pronto a prevaricar.
Quem prevaricou, afinal?
“Prevaricar”,
de acordo com o dicionário, significa “trair, por interesse ou
má-fé, os deveres do seu cargo ou ministério ou abusar do exercício
do cargo.”
Ora quem prevaricou foi o
governo e a polícia. Porque
não havia razões com base em dados sólidos e concretos para aquela
ação espalhafatosa e daquela dimensão. E o governo deve ser
questionado e escrutinado sobre isto. As críticas somam-se.
Não
podemos deixar que este tipo operações, dirigidas a comunidades
inteiras de bairros, sejam normalizadas. Elas passam uma mensagem
clara e perigosa:
Para este governo todas as pessoas
imigrantes da comunidade do subcontinente indiano são criminosas,
até prova em contrário, forjando e reforçando a percepção errada de
intranquilidade social. O
mesmo que tem acontecido no bairro do Zambujal.
Isto
para validar uma série de políticas discriminatórias e
persecutórias de minorias étnicas.
Montenegro afirmou que esta operação especial
foi “importante” para
criar “visibilidade e proximidade” no policiamento e para aumentar
a sensação de “segurança” e “tranquilidade”. Só que não. O que
Montenegro fez foi encostar os valores da nossa democracia à
parede.
E
não só enxovalhou de forma gratuita a comunidade de imigrantes
hindu, como deixou o país com a cara da vergonha, pelo passado e
presente tão marcado pela emigração.
Como nos sentiríamos se o
governo francês (ou inglês) decidisse fazer o mesmo aos muitos
portugueses que lá trabalham?
Percepções erradas e
injustas
Não há qualquer indício de que os imigrantes em
Portugal criem mais insegurança
e mais criminalidade, como vem provar o Barómetro da Imigração da Fundação Francisco
Manuel dos Santos (FFMS). O que
existem são percepções erradas, irreais, injustas e
infundadas.
Mas
com tudo isto, um novo sentimento de
choque, medo e revolta
cresce. E não, não é medo dos imigrantes. É choque com este governo
de coligação à direita, com tiques xenófobos, racistas e
autoritários, cada vez mais alinhado com uma certa visão de mundo
alarve da extrema-direita, a instigar o ódio e a desconfiança
contra as minorias raciais e étnicas.
Precisamos de um governo
democrático e humanista, seja à direita ou à esquerda, para não
ficarmos reféns de delirantes narrativas securitárias e
extremistas, que alimentam percepções erradas, a colocar uns contra
os outros, numa crescente incapacidade de lidar com a diversidade,
encostando-a à parede. Onde
isto vai parar?
Recordo
as palavras da minha entrevistada desta semana, a escritora
Patrícia Portela:
“2024
é o ano em que a Europa Unida vai nua, escondendo-se atrás de um
finíssimo fio dental de hipocrisia de cada vez que aborda temas
como os refugiados, a imigração ou os conflitos que se desenrolam
às suas portas.”
Deixo uma sugestão Natalícia
Este Natal sugiro que façam
algumas das vossas compras no Martim Moniz, no comércio local, com
preços bem em conta.
Levem
toda a vossa família, as vossas crianças e, nesse passeio,
descubram novos condimentos, produtos e alimentos nas mercearias e
lojas do bairro, ou nos dois centros comerciais que lá existem,
comam por ali uma refeição, falem com as pessoas imigrantes que por
ali trabalham, que são simpáticas, educadas e prestáveis.
E
perceberão que aquela zona é mesmo segura e que o
que talvez falte ao primeiro-ministro Luís Montenegro é coragem
para furar a sua bolha de privilégio para conhecer melhor aquele
bairro lisboeta (que já agora, sempre foi multiétnico), e perceber
os anseios e lutas da população do bairro, que faz parte da força
de trabalho deste país.
Talvez
a sua percepção mude se provar uma bela e doce ‘bebinca’ indiana,
conversar com os imigrantes locais, com empatia, interesse e
curiosidade, pois aquelas pessoas, acima de tudo, trazem
multiculturalidade a Lisboa. A insegurança não mora ali. (...)». * * *
E como se a riqueza do texto não chegasse temos ainda PATRÍCIA PORTELA no Podcast, a não perder:
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