Entradas livres, uma questão de atitude
por GABRIELA CANAVILHAS (Ministra da Cultura)
O desafio que se coloca à gestão dos museus portugueses é o de saber valorizar e reforçar a ligação afectiva dos visitantes e dos cidadãos aos seus museus, conseguir fazer deles espaços de fruição cultural e, simultaneamente, verdadeiros espaços de prazer. Conquistados os públicos, muitos dos problemas ficam muito mais fáceis de serem resolvidos. Espaços vividos e acarinhados pelo público são o primeiro passo para a sua dignificação, para o incremento dos seus meios de financiamento, para se tornarem atractivos aos patrocinadores e para serem olhados como coisa sua pelo cidadão. O consumo cultural é, cada vez mais, um conjunto multifacetado de vivências que não se esgotam no bem cultural per se e exigem novas abordagens junto de públicos cada vez mais exigentes e informados. Numa lógica de respeito pela coisa pública, de respeito pela missão museológica - a preservação, o restauro, a divulgação e o enriquecimento das colecções - e de respeito pelos cidadãos, é absolutamente fundamental, antes de mais, saber ler os sinais do nosso tempo e adequa-los à gestão patrimonial.
O aumento das receitas de bilheteira, através da restrição às entradas livres aos domingos, seria a forma mais fácil e rápida de se resolver problemas de financiamento dos museus; mais difícil é, justamente, mudar o paradigma museológico novecentista, passivo e acomodado, e passar à acção através de uma gestão aberta à interdisciplinaridade, com recurso a maior eficácia de merchandising, a dinamização de lojas e restauração, aliciamento de voluntariado, oferta complementar de actividades culturais, estabelecimento de parcerias e angariação de patrocínios e mecenas - veja-se, nestes domínios, os exemplos positivos do Museu Nacional de Arte Antiga, do Chiado e do Palácio Nacional da Ajuda.
A sempre recorrente queixa de "falta de estratégia da tutela" para o sector (leia-se falta de verba do Estado), esconde, no fundo, a cristalização das atitudes, inversa aos pressupostos do Plano Estratégico para os Museus para o Século xxi, apresentado pela tutela em 2010, que aponta claramente para uma mudança de mentalidades e dos paradigmas do passado.
Acabar com entradas livres aos domingos de manhã, em nome do aumento de receitas, seria destruir o princípio democrático que as criou - proporcionar às famílias portuguesas oportunidade de fruição cultural (dificultada durante a semana de trabalho e de escola) -, sendo que estas são já financiadoras dos museus e palácios, através dos seus impostos.
Como disse no início das minhas funções, o ideal seria podermos proporcionar a todos os portugueses, e em todos os dias da semana, o livre acesso às colecções permanentes dos nossos museus e palácios (no Reino Unido aplicou-se esta medida a nacionais e a estrangeiros e os públicos tiveram um aumento médio de 135%! E deixaram dinheiro em donativos, nas lojas e cafetarias dos museus, nos transportes públicos, em suma, na economia em geral, subsidiária, cada vez mais, do turismo cultural).
Mas para isso teremos de encontrar financiamento alternativo às receitas dos actuais 11% de visitantes nacionais que ainda pagam bilhete, incrementar uma verdadeira economia cultural associada a este sector e, ainda, aprovar enquadramento legal para cobrarmos, mais eficazmente, aos estrangeiros e aos grupos organizados de turistas. Deixemos, definitivamente, as famílias portuguesas de fora deste esforço, pelo menos aos domingos de manhã.
O endereço do artigo no DN.
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