domingo, 10 de abril de 2011

INUTILIDADES


No  jornal Expresso deste fim de semana pode ser lido o artigo seguinte da Senhora Ministra da Cultura:
«A ministra da Cultura defende a gestão conjunta dos teatros do Estado
Teatros, palcos e representação
Gabriela Canavilhas
 Teatro Nacional de São Carlos (TNSC) é um dos maiores símbolos da vida musical em Portugal. Desde a sua inauguração em 1793 e ao longo dos seus 217 anos ao serviço da ópera, do bailado e da música sinfónica, o São Carlos tem vindo a fazer parte indissociável vida cultural portuguesa, atravessando regimes, enquadramentos políticos, jurídicos e sociais, ora representando o Estado, ora fazendo eco dos impulsos da representação social, sempre ultrapassando toda a espécie de vicissitudes e resistindo estoicamente aos ares dos tempos que foi atravessando.
 Na sua longa história, já viu quase tudo. Noites gloriosas, sucessos e pateadas, negócios e intrigas nos camarotes da alta burguesia queirosiana, divas e empresários de todo o tipo, histórias de bastidores, de camarins e foyers — no sentido literal e figurado — que, de uma forma ou de outra, se assemelham aos dramas e comédias buffas que dão vida ao seu magnífico e centenário palco. Viu ainda múltiplos modelos de gestão, quase todos imperfeitos, e, seguramente, todos polémicos.
 À margem, nasciam outros teatros e organismos de representação nacional, como o Teatro Nacional D. Maria II (TMDM II), o Teatro Nacional São João (TNSJ) e a Companhia Nacional de Bailado (CNB).
 A sua conversão para Organismo de Produção Artística (OPART), em 2007, foi, no meu entender, apenas um esquiço do que poderia ter sido uma verdadeira conjugação de esforços e de meios, em nome de uma estratégia global, uma gestão coordenada e reais ganhos em eficiência de recursos, que teriam sido conseguidos com a junção dos quatro centros institucionais de produção artística, sob a mesma gestão de recursos — a CNB, sediada no Teatro Camões, a Orquestra Sinfónica Portuguesa e o Coro Sinfónico, sediados no TNSC, o TNDM II e o TNSJ. A fusão de apenas dois organismos, a CNB e o TNSC, como aconteceu com a criação do OPART, não atingiu nenhum objetivo virtuoso ao nível da gestão, por falta de dimensão e por não ter ocorrido uma necessária intervenção estrutural na nova instituição.
 Uma gestão conjunta dos quatro organismos, através de um Agrupamento Complementar de Empresas (ACE), permitirá, finalmente, imprimir mecanismos de eficiência organizativa, com importantes resultados na redução de custos estruturais, tendo em conta a escala, a dimensão e os custos comuns aos quatro teatros. Com o ACE a cumprir a sua missão, o ideal até seria a autonomização da CNB do TNSC.
 Este modelo garante a independência dos quatro teatros, a sua identidade própria e a sua autonomia artística. Garante também a indispensável articulação e maximização do investimento do Estado.
 A Lei de Orçamento do Estado para 2011 (e certamente as dos anos seguintes), obriga a constrangimentos vários nas EPE, fruto dos tempos complexos que vivemos — reduções de investimento, procedimentos controlados ao nível dos custos, redução de salários, impedimento de acumulação de reformas com salários, etc. É fácil gerir, no Governo ou nas empresas, em tempos de largueza. E muito mais difícil fazê-lo em clima de incerteza. Vivemos tempos excecionais, mas é em tempos assim que se exigem pessoas excecionais, com capacidade de encarar as dificuldades e transformá-las em impulso reformador.
 Não há mudanças nos teatros, especialmente no São Carlos, sem polémica — basta relembrar a última década — e também não há insubstituíveis, nem nos teatros nem nos decisores políticos. O que tem faltado é bom senso, visão, responsabilidade, lealdade e honorabilidade. O que tem sobrado é ruído, divas, foyers e camarins figurados, egos e 'perfume de reviralho', que paira, atiça, seduz e inebria. Até que se esvai. Aí ficará o que sobrar. Mas, felizmente, também sobra qualidade, entrega e profissionalismo nos seus corpos artísticos. Em última análise, serão eles a garantir o futuro. Mas, para isso, é preciso ver para além do palco.  
Este assunto já tinha sido coberto pela comunicação social, por exemplo, no jornal Público foi escrito isto.
Contudo, não é público e ainda ninguém perguntou, como é que esta «alternativa» surgiu e onde estão os estudos que a fundamentam. Fiquem os leitores deste blogue a saber que há, naturalmente, legislação sobre a matéria - a Lei 4/73 de 4 de Junho -   e recorrendo a qualquer motor de busca pode ficar-se a saber por exemplo:
«Os agrupamentos complementares de empresas (ACE) são entidades constituídas por pessoas singulares ou colectivas, nomeadamente sociedades comerciais, que se agrupam, sem prejuízo da sua personalidade jurídica, a fim de melhorar as condições de exercício ou de resultado das suas actividades.
Os ACE não podem ter por fim principal a realização e partilha de lucros e constituir-se-ão por contrato, com ou sem capital social próprio. Poderão, todavia, quando expressamente autorizado no contrato constitutivo, ter como fim acessório a realização e partilha de lucros.»
Tal como é apresentado o recurso ao ACE parece «coelho tirado da cartola» sem se dominar o número. Ou saida de quem não sabe «dar o braço a torcer», de quem não consegue assumir que decidiram mal.  Antes, parece oportuno mostrar reflexão que mostre que a estas unidades de produção de Estado que cumprem um serviço público maioritariamente financiado pelo orçamento de Estado se ajusta a figura de «Empresa do mundo dos negócios» realidade para a qual, deduz-se, foi centralmente elaborada a Lei referida. Antes, é preciso mostrar por que soluções anteriores que provaram, não referidas pela Senhora Ministra, não foram consideradas. Antes, talvez tenha cabimento tirar todas as dúvidas aqueles que pensam que  este envio do TNSC, do TNDMII, do TNSJ, da CNB para «Entidades Empresariais» apenas tem a ver com os mecanismos de apuramentos dos défices do OE. Mas atenção as regras contabilisticas para estas contas foram alteradas: e já todos sabemos que por isso estamos pior do que aquilo que pensavamos. Enquanto este assunto não passar por estes crivos de análise, tudo o que se escreva  estará no domínio das  inutilidades. Dito isto, qualquer que seja a solução jurídica  faz todo o sentido que se procure eficiência nomeadamente através da partilha de serviços como acontece para qualquer organizção pública à luz das Reformas em curso como as que decorrem do PRACE.  E neste momento, parece que o aconselhável a todos aqueles que se interessam pela existência de um serviço público na esfera das Artes é estar atento para que não desapareça com a entrada do FMI e afins. Depois, deixem as soluções técnicas para os técnicos. E aos Ministros o papel político de as defenderem com suporte. 

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