segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

2013


2013
O melhor é saltar 2012. Para quê pairar, ruminando, sobre o sofrimento prometido em doses de pedagogia televisiva com recomendações paternalistas ao modo das conversas em família, como nos tempos modernos – já televisivos - da velha senhora? O país é um serviço de urgência desactivado e tu és um doente que está, por definição, de perfeita saúde: não podes agora gastar o que tinhas porque agora só podes gastar o que não tens e é melhor não o fazer – Bartleby, a figura de Melville, dizia à rotina obrigada: “preferia não o fazer” e nesse gesto multiplicava as ondas de choque humanamente lentas do que é contra sincrónico, desmiolado e vil: és falante, como animal mereces ser tratado como humano. Ele há passividades revolucionárias e há outras, violentas por expressão e não por recusa. Infelizmente a nossa é de um tipo analfabeto, mesmo o licenciado recente e bolonhês – o Doutor da dell’arte morre de vergonha pela falta de latim dos agora produzidos em massa -, mal escreve e menos pensa. Infelizmente por cá nunca fomos senão europeus de admirar o lá fora como aonde ir, ou para lá ir, mas não para fazer um cá como lá. A Europa é um longe que será sempre palácio e cá que sejamos sempre boi. Infelizmente para fora vamos tentar de novo o que gerações de outros antes sempre tentaram e fizeram – nisso somos exemplares, fomos e vingámos, fomos, vamos e iremos, sem cantar nem rir, enquanto a terra orbitar e restar um luso no rectangulozinho. Quem não tem família no Brasil, em Angola, em Moçambique, na Guiné, no Canadá, em França, nos EUA, na Suíça, na Holanda, na Suécia, em Espanha, no Luxemburgo, onde aliás somos já – oh meta épica – um terço dos desempregados?
A volta ao texto que Abril prometeu levou-a Novembro e a Europa da moeda, nunca foi mais que essa. Quando cá tentámos, fora dos planos do Estado, essa Europa europeia, os gestores do costume, incapazes de gerir, atiravam-nos o despesismo para cima. Despesismo que nunca eram os seus salários, pois esses eram direito genético de quadros médios altos, superiores, principais, adjuntos, directores-gerais, “papá já sou ministro” e outros estatutos excitadamente assumidos de olhar novo-rico: a produção de parvenus em Portugal não tem limites, assim como não tem limite o seu activismo, infelizmente ao contrário da mão-de-obra comum e dos sapatos estes não são um bem transaccionável. Quem é que quer um assessor para além da quota nacional agora reduzida a dividi-la por 27, por pura competência? Não estamos a falar dos Soutos Mouras, nem dos Lobos Antunes, esses são de outros mundos, de um país chamado competência e fantasia, esse sim superior, fruto de um consenso restrito de qualificação, que avalia as obras e nada tem com tráfico, nepotismo e redes de influência partidária ou familiar. Valem pela obra, mesmo que sejam objecto de todos os assédios e maquinações, como se pode imaginar – ainda agora a recente conversa de Lobo Antunes com Steinar, na Ler, nos abre a porta desse mundo.
A estratégia do péssimo, amolece e disponibiliza para o pior, endeusa a austeridade como uma forma positiva de aceder à bondade dos credores, credo masoquista, credo nos que abrem e fecham na torneira do crédito deles e convivem bem com a exploração e opressão – estiveram no Chile de Pinochet e na Argentina, na Grécia e na Irlanda e agora estão cá, testas de ferro que afiam as facas do corte cego estatístico dos donos.
Cabisbaixo o português que paga renda, que paga taxa moderadora imoderada, que paga os livros escolares a preços absurdos, que paga a prestação do carro que engole gasolina infinita, que paga as portagens verde via ou fala com máquinas de voz feminina/assertiva, que paga impostos que sobem como balões em carnavais de entretenimento na hora nobre televisiva, que paga os fins-de-semana massivos e as horas de ponta obrigatórias, que paga museus que não são à borla como em certa Europa, que paga no privado o que nem existe no serviço público, que paga a electricidade a subir, a água a correr, os transportes públicos ao preço do táxi, o lar dos velhos para além da pensão dos velhos, o plasma por que ansiou, que paga para onde quer que se vire se desatento se virar ao toque do desejo, que tem recibo verde e não acede a subsídio de desemprego, que corre pela vida dos seus porque não pode desistir, vira-se então para dentro pois as portas da subjectividade ainda não têm alfândega e procura aí saída: todo o fora que sobra cerca-o. Procura o tal túnel onde uma luz se diz que brilha ao fundo. E nada, a luz do túnel foi apagada, a esperança é uma despesa insuportável para a dívida. Por todo o lado espalhada, globalizada, a dívida, voraz, persegue e vigia como um polícia omnipresente qualquer movimento teu. Se te mexes mais do que o necessário para respirar o pouco que te calha, se usas um espaço de manobra corporal para além do convencionado metro em 3 D que te calha, a dívida cai-te em cima e onera-te com o IRSE, Imposto Sobre a Respiração Excedente. Cuidado contigo: se engoles tudo podes pagar um preço alto e não é certo que nesta feira cabisbaixa ser cabisbaixo seja solução. A solução não está à venda, é de outra ordem, não se consome. Falemos de 2013. Um conselho: desenhem nas paredes de casa a palavra austeridade, os seus autores e espetem-lhes as vossas setinhas. Podem usar os garfinhos de sobremesa, são inúteis.
fernando mora ramos
encenador de língua portuguesa

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