2013
O melhor é saltar 2012. Para quê pairar, ruminando, sobre o
sofrimento prometido em doses de pedagogia televisiva com recomendações
paternalistas ao modo das conversas em família, como nos tempos modernos – já
televisivos - da velha senhora? O país é um serviço de urgência desactivado e
tu és um doente que está, por definição, de perfeita saúde: não podes agora
gastar o que tinhas porque agora só podes gastar o que não tens e é melhor não
o fazer – Bartleby, a figura de Melville, dizia à rotina obrigada: “preferia
não o fazer” e nesse gesto multiplicava as ondas de choque humanamente lentas
do que é contra sincrónico, desmiolado e vil: és falante, como animal mereces
ser tratado como humano. Ele há passividades revolucionárias e há outras, violentas
por expressão e não por recusa. Infelizmente a nossa é de um tipo analfabeto,
mesmo o licenciado recente e bolonhês – o Doutor da dell’arte morre de vergonha pela falta de latim dos agora
produzidos em massa -, mal escreve e menos pensa. Infelizmente por cá nunca
fomos senão europeus de admirar o lá fora como aonde ir, ou para lá ir, mas não
para fazer um cá como lá. A Europa é um longe que será sempre palácio e cá que
sejamos sempre boi. Infelizmente para fora vamos tentar de novo o que gerações
de outros antes sempre tentaram e fizeram – nisso somos exemplares, fomos e
vingámos, fomos, vamos e iremos, sem cantar nem rir, enquanto a terra orbitar e
restar um luso no rectangulozinho. Quem não tem família no Brasil, em Angola, em
Moçambique, na Guiné, no Canadá, em França, nos EUA, na Suíça, na Holanda, na
Suécia, em Espanha, no Luxemburgo, onde aliás somos já – oh meta épica – um
terço dos desempregados?
A volta ao texto que Abril prometeu levou-a Novembro e a
Europa da moeda, nunca foi mais que essa. Quando cá tentámos, fora dos planos
do Estado, essa Europa europeia, os gestores do costume, incapazes de gerir,
atiravam-nos o despesismo para cima. Despesismo que nunca eram os seus
salários, pois esses eram direito genético de quadros médios altos, superiores,
principais, adjuntos, directores-gerais, “papá já sou ministro” e outros estatutos
excitadamente assumidos de olhar novo-rico: a produção de parvenus em Portugal não tem limites, assim como não tem limite o
seu activismo, infelizmente ao contrário da mão-de-obra comum e dos sapatos
estes não são um bem transaccionável. Quem é que quer um assessor para além da
quota nacional agora reduzida a dividi-la por 27, por pura competência? Não
estamos a falar dos Soutos Mouras, nem dos Lobos Antunes, esses são de outros
mundos, de um país chamado competência e fantasia, esse sim superior, fruto de
um consenso restrito de qualificação, que avalia as obras e nada tem com
tráfico, nepotismo e redes de influência partidária ou familiar. Valem pela
obra, mesmo que sejam objecto de todos os assédios e maquinações, como se pode
imaginar – ainda agora a recente conversa de Lobo Antunes com Steinar, na Ler,
nos abre a porta desse mundo.
A estratégia do péssimo, amolece e disponibiliza para o
pior, endeusa a austeridade como uma forma positiva de aceder à bondade dos
credores, credo masoquista, credo nos que abrem e fecham na torneira do crédito
deles e convivem bem com a exploração e opressão – estiveram no Chile de
Pinochet e na Argentina, na Grécia e na Irlanda e agora estão cá, testas de
ferro que afiam as facas do corte cego estatístico dos donos.
Cabisbaixo o português que paga renda, que paga taxa
moderadora imoderada, que paga os livros escolares a preços absurdos, que paga
a prestação do carro que engole gasolina infinita, que paga as portagens verde
via ou fala com máquinas de voz feminina/assertiva, que paga impostos que sobem
como balões em carnavais de entretenimento na hora nobre televisiva, que paga
os fins-de-semana massivos e as horas de ponta obrigatórias, que paga museus
que não são à borla como em certa Europa, que paga no privado o que nem existe
no serviço público, que paga a electricidade a subir, a água a correr, os transportes
públicos ao preço do táxi, o lar dos velhos para além da pensão dos velhos, o
plasma por que ansiou, que paga para onde quer que se vire se desatento se virar
ao toque do desejo, que tem recibo verde e não acede a subsídio de desemprego,
que corre pela vida dos seus porque não pode desistir, vira-se então para
dentro pois as portas da subjectividade ainda não têm alfândega e procura aí
saída: todo o fora que sobra cerca-o. Procura o tal túnel onde uma luz se diz
que brilha ao fundo. E nada, a luz do túnel foi apagada, a esperança é uma
despesa insuportável para a dívida. Por todo o lado espalhada, globalizada, a
dívida, voraz, persegue e vigia como um polícia omnipresente qualquer movimento
teu. Se te mexes mais do que o necessário para respirar o pouco que te calha,
se usas um espaço de manobra corporal para além do convencionado metro em 3 D
que te calha, a dívida cai-te em cima e onera-te com o IRSE, Imposto Sobre a
Respiração Excedente. Cuidado contigo: se engoles tudo podes pagar um preço alto
e não é certo que nesta feira cabisbaixa ser cabisbaixo seja solução. A solução
não está à venda, é de outra ordem, não se consome. Falemos de 2013. Um
conselho: desenhem nas paredes de casa a palavra austeridade, os seus autores e
espetem-lhes as vossas setinhas. Podem usar os garfinhos de sobremesa, são
inúteis.
fernando mora ramos
encenador de língua portuguesa
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