domingo, 5 de agosto de 2012

ESPIRITO CONTABILÍSTICO E CULTURA ARTÍSTICA

A política não é uma contabilidade. O exercício de uma política não se resume a fazer um orçamento. A política é uma possibilidade na crise, em austeridade, como o é em tempo de vacas gordas. Vacas gordas, sabemo-lo, são o sol que dura pouco e a crise a constante patrimonial, herança histórica, territorial, recursos naturais, qualificação cultural e qualificações profissionais do povo, democracia precária, formal e não estrutural, portanto de longa duração, a que a actual, global e europeia, se soma – nada disto é novo e o regresso de formas de salazarismo financeiro, poupança e sacrifício democratizados, uma vocação das elites e testas de ferro ascendidos. Novos mitos desenvolvimentistas estão aí, como antes estiveram as autoestradas a resolver isolamentos que com elas se acentuaram – o desenvolvimento são sempre as pessoas, quem aprenderá lá no cimo? O novo mito, em formação mediática, é trocar o mar que nos levou e trouxe ao mundo pelo que nos banha os pés, trilho emergente do dinheiro fresco a inventar na burocracia europeia e local, legalíssima.
A política é um bem necessário, raro e é imaginação e pensamento a agir na mudança, é a mudança como horizonte qualificado e pragmatismo não acéfalo. É a forma de ter uma ideia de país que seja uma ideia possível para o que o país é, o seu atraso – não europeu - e o que o potencie a partir das qualidades positivas específicas, dinâmica de enraizamento, isolados os atavismos e desigualdades ademocráticas. As comparações com nações de massa crítica, na qualificação científica e cultural das populações, são e foram muitas, os melhores recursos que temos, somos nós, os portugueses. Teremos de apostar nas nossas potencialidades, o que significa marchar, marchar, contra o desemprego crescente dos que estudaram, contra o desinvestimento nas práticas de investigação científica e económica, contra o recuo do investimento cultural, a passar do pouco – irrelevantes 0,3% - para menos que nada, negatividade pura, dinheiro para fingir que somos europeus como os demais pelo lado das fachadas – fala-se de Europa a duas velocidades, porque não a três, ou quatro? Se não for pela realidade do que sejamos, ou venhamos a ser, como identidade cultural prospectiva, essa mistura do que somos com o que seremos na relação com a Europa, o que fará de nós Europa? A questão é: andar a dizer que “não há dinheiro” ou que se estão a criar as condições para se criarem as condições de fazer o que as condições por se criar hão-de possibilitar fazer, seguindo-se a declaração de que as coisas serão como no ano anterior, como vêm dizendo do lado do Secretário de Estado da Cultura, é assumir que a política é apenas contabilidade e nada mais, pelo que, em boa verdade, poderíamos poupar no Secretário da Cultura como no aparelho cultural, todo ele improdutivo, despesismo, inutilidade. Só faz sentido aparelho cultural com política cultural. Com política contabilística atribuam ao Ministério das Finanças – e não colhe serem contra a “política do espírito”, é despropósito, diferença de tê-lo e não tê-lo.
Em boa verdade, o imobilismo, a falta de imaginação para com o mesmo fazer melhor, além do que é puro corte e cola – os cacos – é fruto não apenas da força de Victor Gaspar, mas da impreparação dos ascendidos aos papéis governativos na cultura.
A política necessita de ideias e estas de algum voo prático. E não é fazer mais com o mesmo, como disse alguém. É fazer melhor com o mesmo e inventar mais a partir do mesmo e fora desse mesmo – há muito por onde, mas é necessário ter cultura administrativa e funcionários competentes. Com quem se subalterniza aos ditames do império contabilístico nada a fazer. A cultura é outro território, outra margem, é necessário respirá-la como necessidade orgânica, democracia, acesso de todos a uma cultura “elitista para todos”. É necessário não seguir a política do dono em tudo e não cultivar o terror da “dívida” como novo pecado original. Se ao menos houvesse espírito, que não fosse o santo nem o contabilístico, poderia eventualmente haver um esboço de país cultural, de democracia prospectiva.

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