A política não é uma
contabilidade. O exercício de uma política não se resume a fazer um orçamento.
A política é uma possibilidade na crise, em austeridade, como o é em tempo de
vacas gordas. Vacas gordas, sabemo-lo, são o sol que dura pouco e a crise a constante
patrimonial, herança histórica, territorial, recursos naturais, qualificação
cultural e qualificações profissionais do povo, democracia precária, formal e
não estrutural, portanto de longa duração, a que a actual, global e europeia,
se soma – nada disto é novo e o regresso de formas de salazarismo financeiro,
poupança e sacrifício democratizados, uma vocação das elites e testas de ferro
ascendidos. Novos mitos desenvolvimentistas estão aí, como antes estiveram as
autoestradas a resolver isolamentos que com elas se acentuaram – o
desenvolvimento são sempre as pessoas, quem aprenderá lá no cimo? O novo mito,
em formação mediática, é trocar o mar que nos levou e trouxe ao mundo pelo que
nos banha os pés, trilho emergente do dinheiro fresco a inventar na burocracia
europeia e local, legalíssima.
A política é um bem necessário, raro e é imaginação e
pensamento a agir na mudança, é a mudança como horizonte qualificado e
pragmatismo não acéfalo. É a forma de ter uma ideia de país que seja uma ideia
possível para o que o país é, o seu atraso – não europeu - e o que o potencie a
partir das qualidades positivas específicas, dinâmica de enraizamento, isolados
os atavismos e desigualdades ademocráticas. As comparações com nações de massa
crítica, na qualificação científica e cultural das populações, são e foram
muitas, os melhores recursos que temos, somos nós, os portugueses. Teremos de
apostar nas nossas potencialidades, o que significa marchar, marchar, contra o
desemprego crescente dos que estudaram, contra o desinvestimento nas práticas
de investigação científica e económica, contra o recuo do investimento
cultural, a passar do pouco – irrelevantes 0,3% - para menos que nada,
negatividade pura, dinheiro para fingir que somos europeus como os demais pelo
lado das fachadas – fala-se de Europa a duas velocidades, porque não a três, ou
quatro? Se não for pela realidade do que sejamos, ou venhamos a ser, como
identidade cultural prospectiva, essa mistura do que somos com o que seremos na
relação com a Europa, o que fará de nós Europa? A questão é: andar a dizer que
“não há dinheiro” ou que se estão a criar as condições para se criarem as
condições de fazer o que as condições por se criar hão-de possibilitar fazer,
seguindo-se a declaração de que as coisas serão como no ano anterior, como vêm
dizendo do lado do Secretário de Estado da Cultura, é assumir que a política é
apenas contabilidade e nada mais, pelo que, em boa verdade, poderíamos poupar
no Secretário da Cultura como no aparelho cultural, todo ele improdutivo,
despesismo, inutilidade. Só faz sentido aparelho cultural com política
cultural. Com política contabilística atribuam ao Ministério das Finanças – e
não colhe serem contra a “política do espírito”, é despropósito, diferença de
tê-lo e não tê-lo.
Em boa verdade, o imobilismo, a falta de imaginação para com
o mesmo fazer melhor, além do que é puro corte e cola – os cacos – é fruto não
apenas da força de Victor Gaspar, mas da impreparação dos ascendidos aos papéis
governativos na cultura.
A política necessita de ideias e estas de algum voo prático.
E não é fazer mais com o mesmo, como disse alguém. É fazer melhor com o mesmo e
inventar mais a partir do mesmo e fora desse mesmo – há muito por onde, mas é
necessário ter cultura administrativa e funcionários competentes. Com quem se
subalterniza aos ditames do império contabilístico nada a fazer. A cultura é
outro território, outra margem, é necessário respirá-la como necessidade
orgânica, democracia, acesso de todos a uma cultura “elitista para todos”. É
necessário não seguir a política do dono em tudo e não cultivar o terror da
“dívida” como novo pecado original. Se ao menos houvesse espírito, que não
fosse o santo nem o contabilístico, poderia eventualmente haver um esboço de
país cultural, de democracia prospectiva.
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