Intermediar. Quando a reforma agrária aconteceu nós, os que estávamos a dar uma mão fazendo outras actividades, teatro
por exemplo, pichagens letradas nas paredes caiadas para o Sindicato Agrícola, a TERRA A QUEM A TRABALHA, pensámos as relações entre produtores e consumidores.
Era, na altura, imediato, pensar que consumidor e cidadão eram a mesma pessoa. E quando os
mercados de produtos à venda pelos produtores aconteciam,
por exemplo, no Rossio de São Brás em Évora - quem se lembra? - quem
comprava eram os cidadãos que como consumidores estavam conscientes de que assim,
comprando directamente, davam cabo das intermediações, dos famosos intermediários. Dizer INTERMEDIÁRIOS ERA COMO QUASE DIZER FASCISTAS -
tinham, estes tipos, margens de lucro que faziam da intermediação o negócio dos negócios e da produção-criação uma actividade subalterna - isto é, quem produzia ganhava menos do que
quem distribuía e expunha,
vendia por ter adquirido para vender ganhando com isso uma margem pelo acto da
exposição e venda, comércio absoluto erguido sobre o gesto
do parto. Talvez fosse um excesso chamar fascistas aos intermediários, mas alguns eram-no mesmo, fruto
da sua posição no
encadeamento da sobrevivência para uns e do negócio para outros. Era um excesso,
convenhamos. A distribuição é uma necessidade estrutural. O que não pode é fazer-se contra a criação, contra a semeação, acompanhamento, tratamentos
faseados - podas, desparramentos, limpezas - e colheita das produções.
Se pensarmos em literatura a questão é semelhante. Que direito têm
as editoras monopolistas e os distribuidores, as cadeias de livrarias de
cobrar sobre o livro criado percentagens de lucro à cabeça que impedem que o autor e a pequena
editora sobrevivam? 35%? 40%? Em cima dos custos de edição, grafismos, maquetas página a página, arrumações textuais, montagens de texto e
tipografia? Qualidade das capas e tipos de letra? Gramagens e qualidade do
papel? Etc., e tal? E direitos de autor, claro, pois o escriba de serviço, que ganharia? E o autor das
ilustrações,
havendo? Viver disso nesta engrenagem em que se é o elo pobre e fraco só mesmo para “bestas sellers”, uns talentosos e inventivos,
alcandorados a nobel ou o que seja, outros palha bem sucedida, isto é, contando com ruminantes dedicados,
militantes da causa dos sucessos, consumidores pavlovizados, inteiriços de mente como o bacalhau à peça, engrenados.
No mundo dos chamados programadores é a mesma coisa: uns criam e outros são donos, distribuidores compradores
das criações. E
compram ao pacote, que é mais em conta. Como o fazem outros, idêntico
tipo de capatazes, com outros tipos de mercadorias. Comprar um menu de
standard's de jazz em pacote, mais ou menos nice, um bocado de música pimba, um stand-up cómico saído da última graçola com estatística de quantidade de riso garantido
em volume sonoro autenticado, mais um complemento de cozinha gourmet em show de
preferência em francês legendado em inglês
legendado em culinês, mais um ciclo de cinema clássico rápido e em resumos estilizados, em
preto e branco melhorado, para um minoria garantida, mais um circo chinês
internacional e um lago dos cisnes russo em versão checa requentada, com sabor ainda
cheirando aos restos do Lenine embalsamado, é, de facto, atingir o cume da excelência como programador, olheiro escrutinador
selectivo de menus de xcelência garantida na diversidade da
oferta cadastrada, na tal relação preço/qualidade - Oh Zeus!! — face ao mercado possível. Claro, o que há em Nova Iorque, e na Broadway, não é possível, só indo lá - o mesmo relativamente a Londres e a
Berlim, a Paris e a Pequim - isto, que aqui há, é o que que há cá e pode ser cá, depois de ter sido lá, onde for na origem, há trinta anos ou nem tanto, vinte, ou
dez. O exemplo da Orquestra de Gleen Miller brada aos céus, mas o bafio concorrencial dos
cemitérios em
actividade está, entre nós, no seu esplendor.
E tudo em resultado de fundos europeus aplicados em edifícios
que só não são
elefantes brancos porque estão disfarçados de elefantes verdadeiros, com
capatazes à frente, domadores, verdadeiras
criaturas do comando, comandos. E que dirigem equipas de maneira totalitária, autoritária, como o o Senhor Chin da Boa Alma
os seus carregadores. Voltámos a uma espécie de escravatura, light, já quase temos salário uns euros menos mínimo e horas de compensação, estamos no paraíso.
Isto não é um país, é um isto, um aquilo. Uma coisa. Nem assunto, um quisto talvez,
uma tristeza, um dente cariado. É mesmo difícil, no meio de tanta desistência, empurrados para a orla, alertar com a chama crítica ao meio e realizar
a resistência...
Fernando Mora Ramos
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