O artigo a que se refere a imagem acima, do jornal Observador, dá pistas para uma série de questões que não temos visto abordadas a propósito das matérias a que diz respeito. (Veja o post anterior «AVIGNON»| aproveite-se o momento para no nosso País se (re)pensarem os festivais nomeadamente de teatro ...).
É nossa convicção que à medida que a poeira for baixando o tempo fará o seu trabalho. Certamente que haverá (nós incluidos) quem questione ou tenha simples curiosidade em torno de coisas como as seguintes:
- Pegando nas palavras da actriz - aquilo é uma «bolha» - de certa forma altas figuras do nosso País o reconhecem ao ficarem felizes que um português vá ali continuar o seu percurso profissional. Reconhecerão que é um salto a que não se poderia resistir com o qual nem o Teatro Nacional D. Maria II pode concorrer. É triste! Muito menos lhes parece ocorrer que nós podemos ter o nosso «Avignon», mas para isso não se pode existir em ambiente concursal permanente. É o SERVIÇO PÚBLICO, senhores!, e aí França dá cartas!
- A passagem «A nomeação de Tiago Rodrigues como novo diretor do Festival d’Avignon apanhou-a de surpresa, especialmente depois de vários anos de trabalho conjunto, em que ambos desenvolvem uma “cumplicidade artística”, mas que a emocionou. “Surpreendeu-me e emocionou-me muito. Acho que faz parte de um caminho que ele tem vindo a construir […]. Deve representar um orgulho imenso, o Tiago nunca esquece o teatro português. As coisas mudam e tudo tem um fim, só espero que não se regrida em relação a uma série de coisas que se conquistaram nos últimos anos”, concluiu a atriz» não deixa de provocar alguma surpresa porque de há muito que se ouvia por aí falar nessa possibilidade que até terá sido abandonada por alguns pelo facto de a sua continuação no TNDMII ter sido renovada. Ainda que mal se pergunte: a Senhora Ministra não sabia dessa eventualidade? Por parte do visado é compreensivel que se aposte em dois tabuleiros e está em sintonia com o «caminho que tem vindo a construir». Por cá já sabemos que se muda de «dirigentes» com a mesma facilidade, perdoem a expressão «como se muda de camisa». Até nisto, atente-se no modo de fazer em França ...
- Até agora não percebemos muito bem como aconteceu esta «Operação Cerejal». Que fica bem no curriculo do futuro Diretor do Festival de Avignon lá isso fica ... Desejamos, naturalmente, que tenha o sucesso desejado. E que parece ser pedra que fazia falta na sua caminhada ninguém terá dúvidas ... Será importante tornar público os CUSTOS. E por uma razão central: contribuir para se dimensionarem as verbas que no nosso País devem ser destinadas ao Teatro. Até o ESTATUTO DO ARTISTA em curso beneficiará disso ...
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Mas aproveitemos a ocasião para nso determos em Tchékov. E era tão bom ter um sitio onde soubessemos sobre o historial do CEREJAL no nosso País!, onde pudessemos aceder a textos, a videos, a entrevistas, ... das produções passadas. Sim, ó gente!, Tchékov tem nos sido dado a conhecer por criadores e artistas do nosso País ... Que nos fazem cartas de amor permanentes. Mesmo com o miserável financiamento do Estado...
E lembramo-nos deste Tchékov da Cornucópia:
ENSAIOS PARA “O GINJAL”
de Anton Tchékov
De lá:
«(...)
De que fala?
De como se libertar da infância.
Da falta, de estar em falta.
De faltar. Da privação.
Das palavras que se pronunciam e que não são as boas.
Das palavras para não dizer nada, das palavras a torto e a direito.
Das frases ditas bem demais e das palavras desajeitadas.
Tudo está sempre “ao lado”. Cedo demais. Ou tarde demais.
Com ternura. Com ferocidade.
Com emoção. Com indiferença.
E todos aqueles objectos partidos ou perdidos.
Dos noivados frustrados.
Da propriedade vendida.
Das árvores que se abatem.
Dos sonhos ilusórios de um futuro radioso, enquanto se esquece em casa o fiel representante da ordem antiga.
De um mundo que está condenado a desaparecer. O vento da História começa a soprar.
Há dois anos, quando o Luis Miguel me convidou pela quinta vez para encenar um espectáculo na Cornucópia, tinha-lhe proposto inventar uma espécie de trabalho de atelier à volta das peças de Tchekov. Depois de as ter relido todas, percebi que O Ginjal era não só a minha preferida mas também a que melhor se prestaria a uma divisão em sequências e depois a um tratamento adequado a cada uma dessas sequências. (Foi assim que as sequências de Epikhodov e algumas de Firss foram cortadas na versão proposta.)
Sonhava ainda com um espectáculo que mostrasse o trabalho dos ensaios, com tudo o que isso implica de repetições de textos e de situações, de tentativas. Imaginava este espectáculo como um pintor elabora os seus esboços antes da execução final do projecto; alguns álbuns de Delacroix têm esboços, por vezes coloridos com aguadas, que isolam precisamente certos detalhes da composição geral.
Mas a peça foi mais forte do que as minhas elucubrações preparatórias.
Arrastou-me, arrastou-nos, como uma grande vaga, para uma execução mais acabada que o previsto, e, finalmente, mais simples. Da ideia de “work in progress” ficaram apenas alguns vestígios e um certo tratamento do espaço.
O telão do Segundo Acto, executado pela Cristina, por si só, é uma metáfora do espectáculo.
O palco, cuja porta do fundo se abre para a carpintaria, a companhia da Cornucópia, constituem para mim uma espécie de Ginjal desde que com eles convivo. Este espaço, a comunidade que o habita, com as suas alegrias e desgostos, puderam fazer nascer este trabalho.
Conheço há muito tempo todos os actores que interpretam O GINJAL. Fiz desde o início esta distribuição. Insistia para que a Rita Durão representasse o papel de Ranevskaia; mesmo se habitualmente o papel é interpretado por uma mulher mais madura, eu queria tentar este desafio.
É em total cumplicidade com este grupo de actores que levantámos âncora para esta aventura.
Percebi com isto que, também eu, envelheci. E ainda bem, porque sem esta passagem obrigatória para a maturidade, creio que nunca teria ousado lançar-me neste projecto.
Christine Laurent
Trad. LLBarreto»
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