Pois bem neste quadro não muito animador, eis que parámos na intervenção seguinte e logo com vontade de partilhar:
Intervenção da Vice-Governadora Clara Raposo na sessão de encerramento das comemorações dos 25 anos da Ordem dos Economistas
Excerto (o destaque é nosso):
«(...)
Evolução do bem-estar em Portugal
Estes desenvolvimentos deverão ser prosseguidos sem descurar a contínua convergência dos níveis de vida entre os Estados-Membros, que assume um papel determinante, promovendo a coesão social e o apoio dos cidadãos ao aprofundamento da integração europeia e da união monetária. A política de coesão da União Europeia e os fundos estruturais têm, desde a sua génese, uma natureza redistributiva contribuindo para melhorar o bem-estar das regiões menos desenvolvidas.
O PIB per capita – medido em paridades de poder de compra, ou seja, corrigido pelos diferenciais de preços entre países – tende a ser o indicador privilegiado na análise de convergência económica. Este indicador constitui uma boa primeira aproximação do nível de vida da população e é fácil de comparar entre países.
No entanto, o bem-estar ou a qualidade de vida da população de um país não devem ser avaliados apenas em termos de rendimento per capita. O PIB per capita não contabiliza – pelo menos diretamente – dimensões relevantes, como o acesso à saúde, o tempo de lazer, a repartição dos recursos pela população, a segurança ou a qualidade do meio ambiente. A inclusão destas dimensões na análise é relevante, evitando que as políticas públicas se concentrem apenas no crescimento económico e melhorem também outros aspetos da qualidade de vida dos cidadãos.
No Boletim Económico de março deste ano, o Banco de Portugal apresentou uma avaliação do nível de vida dos cidadãos portugueses face ao dos seus pares da União Europeia, utilizando um índice de bem-estar proposto na literatura académica. Este índice tenta colmatar as limitações do PIB per capita, considerando dimensões como o nível de consumo, o tempo de lazer, a esperança de vida e a desigualdade. A sua base teórica, assente no conceito de utilidade esperada ao longo da vida, é uma vantagem face a outros indicadores de bem-estar.
A ideia subjacente ao indicador de bem-estar é simples: no modelo de base existe um indivíduo representativo em cada país que aprecia consumo e lazer, está tanto melhor quando mais longa for a sua vida e prefere um mundo menos desigual. Desta forma, países com níveis de consumo mais altos e maior esperança média de vida – como a Suécia ou a Bélgica – apresentam níveis de bem-estar elevados, enquanto países com menor consumo, mortalidade mais elevada e maior número de horas trabalhadas – como alguns países do leste europeu – exibem níveis de bem-estar inferiores. Note-se que a existência de diferenças significativas nestas dimensões – consumo, lazer, esperança média de vida e desigualdade no consumo – podem implicar que dois países com PIB per capita próximos possam ter índices de bem-estar distintos: à partida, a medida de bem-estar deverá dar-nos uma melhor indicação da qualidade de vida das pessoas.
Não obstante a presença de diferenças (ainda) significativas no nível de vida entre Estados-membros, este trabalho mostrou que se observou um processo de convergência na União Europeia ao longo das últimas quase três décadas. A evolução das condições nos países que aderiram mais tardiamente à UE teve um papel determinante neste resultado.
Durante este período, e apesar dos choques por vezes muito adversos, o bem-estar de Portugal aproximou-se da média da União Europeia. Ou seja, o bem-estar cresceu mais em Portugal do que na média da União Europeia. Partimos, no entanto, de um nível mais baixo. Entre 1995 e 2022 o índice de bem-estar cresceu, em média, 2,7% por ano em Portugal, acima dos 2,4% na UE.
Esta convergência de Portugal com a média da União Europeia beneficiou do progresso relativo em todas as componentes (consumo, tempo de lazer, esperança média de vida e menor desigualdade), com destaque para a melhoria mais significativa em Portugal da esperança de vida e para a redução mais acentuada da desigualdade em Portugal. Em particular, a esperança de vida em Portugal passou de 75,4 anos em 1995 para 81,7 anos em 2022, um aumento superior ao da UE e para um nível superior ao da UE (que cresceu 5 anos). Os progressos em termos de convergência no nível de vida para os nossos parceiros europeus são notáveis, mas, ainda assim, limitados.
Em contraste, não se observou uma aproximação do PIB per capita de Portugal aos valores da União Europeia no horizonte completo entre 1995 e 2022. Ao longo deste período, o PIB per capita aumentou, em média, 1,3% por ano em Portugal, o que compara com 1,4% na UE. Esta discordância de resultados, apesar de sinais de melhoria nos últimos anos também ao nível do PIB, relembra a importância de considerar medidas abrangentes de bem-estar para formar uma opinião sobre o nível de vida efetivo dos cidadãos e desenhar as políticas públicas eficazes.
No futuro, o aprofundamento do processo de convergência de Portugal na União Europeia exige que a melhoria relativa nas várias dimensões analisadas se mantenha. As perspetivas para o consumo estão naturalmente ligadas às do crescimento do produto, dependendo da manutenção de condições favoráveis à acumulação de fatores produtivos e incorporação de avanços tecnológicos, bem como da aposta contínua na melhoria das qualificações da população e do funcionamento dos mercados. Os progressos observados nestas áreas, a par da diversificação das fontes de crescimento económico, têm contribuído para um aumento mais sustentável dos rendimentos e do nível de vida dos portugueses. O aumento da esperança de vida e tempo de lazer, assim como a redução da desigualdade, devem também continuar a fazer parte do processo de decisão da política económica devido ao seu impacto na sustentabilidade do crescimento e no bem-estar no médio e longo-prazos.
Estou certa de que a Ordem dos Economistas continuará a contribuir ativamente para a reflexão sobre estas questões nos próximos 25 anos.
Obrigada». Leia na integra.
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