quarta-feira, 11 de setembro de 2024

PARA UMA GRAÇA LOBO «INTEIRA»

 


«"Sinceramente" é a história de uma mulher enterrada, de uma parede, de uma vingança. Sobem ao palco um actor, uma actriz e um basset. Temos um jantar, fala-se de felicidade, de direitos, de separação. Fala a Graça Lobo. Histórias breves, cortantes. São os dramas do pai, da filha, da irmã, do padrinho, um mundo inteiro em fúria, muita gente inquieta mas viva. Relatos de amor e humor, de uma outra mulher, de nome Graça Lobo, que por momentos desce do palco, redescobre o ofício de escritor, e se deixa monologar, assim, sinceramente». Saiba mais.

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Aquando de uma morte, certamente que em termos individuais e coletivos, nomeadamente institucionais, haverá dificuldade em escolher o que dizer. O que lembrar. No caso de Graça Lobo que acaba de nos deixar, do que nos comunicou o Senhor Presidente da República:«Presidente da República evoca Graça Lobo -Entre as figuras que representaram uma determinada ideia do teatro, do espetáculo, ou até do espaço público, Graça Lobo esteve sempre do lado do cosmopolitismo, do «glamour», da provocação e da alegria de viver. (...)». Leia na integra. 
Por seu lado, a Senhora Ministra da Cultura segundo o que se pode ler, por exemplo, aqui  - o Ministério como sabemos não tem site :«Já a ministra da Cultura, Dalila Rodrigues, lembrou o "talento e versatilidade" de Graça Lobo que a tornaram "uma referência para várias gerações de atores e encenadores que com ela trabalharam"».
Até que ponto as pessoas comuns se reveem nestas palavras? Em particular os públicos de Teatro? Talvez haja quem adira porque mais certeiras a isto que escreveu Carla Quevedo no obituário que fez no semanário Expresso: «Graça Lobo foi uma pessoa individual e forte num meio habitualmente constituído por grupos e companhias de teatro. Não é comum em Portugal». Veja mais excertos aqui.  Neste retrato temos uma Graça Lobo, digamos, mais «gente, gente». E foi neste ambiente que escolhemos o livro acima para a recordarmos. 
 
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Mas por respeito a Graça Lobo faz sentido que não reduzamos a sua vida ao «glamour» e à sua procura de «cosmopolitismo» - sem o renegar, antes pelo contrário. Para lá desse período áureo detenhamo-nos no que disse em entrevista ao DN:
 
De lá:
 «(...)
Tournée é um eufemismo.
[Ri-se] Sabe que ainda tenho sentido de humor, se não tivesse sentido de humor não tinha ultrapassado o que já ultrapassei. Se não tivesse sentido de humor, isto não teria graça nenhuma. Tive de vender a minha casa, recebo uma reforma de 600 euros e tenho de viver em lares. Nesta tournée pelos lares que ando a fazer, vejo esta miséria, esta pobreza, gente tão pobre que fico mesmo aflita. Esta miséria, esta pobreza, dá para as pessoas serem extremamente malcriadas. O que gera um péssimo ambiente.
 

Em quantos lares já esteve?
Alguns [ri-se] e os lares são todos muito maus. Quem inventou os lares inventou-os por boas causas, pensou em criar sítios agradáveis onde pudesse viver quem não tivesse casa, mas, talvez por falta de fundos, tornaram-se todos muito maus. Por exemplo, acabaram com os manicómios e as pessoas com doenças mentais estão todas nos lares, o que é muito incomodativo. Uma pessoa fica magoada com o que aquelas pessoas devem ter sofrido para estar neste estado. Há uma mulher que diz palavrões a toda a hora, uma pessoa acorda com aquela mulher a dizer palavrões e os piores palavrões.

Está num quarto partilhado?
Sim, não há quartos individuais, mas vou para um sítio onde terei um quarto só para mim. É perto da minha filha e do meu neto, que adoro. (...)». Leia na integra.

Não se resiste a este comentário: se isto acontece a uma «DIVA», o que não se passará com outros e outras? Governo, por favor, debruce-se sobre o SETOR DA CULTURA E DAS ARTES de maneira a que os seus profissionais tenham percursos profissionais dignos. A velhice prepara-se durante a vida ativa. Obrigado, Graça Lobo, por abordar o assunto com o desassombro que a marcou. 
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Voltando ao Teatro,  e ao olharmos para os ESPETÁCULOS que Graça Lobo nos proporcionou - num tempo em que até se podia falar do «fenómeno Graça Lobo» - podíamos sugerir que na DGARTES se estudasse aquele período para se refletir  as MODALIDADES hoje existentes para financiamentos (vulgo apoios) onde os «Projetos» são como que «categoria menor». Graça Lobo era mostrada como o dito «PROJETO» podia ser coisa maior, de tal forma que dificilmente poderia ser, utilizando termo corrente, acomodado nos Escalões burocráticos predefinidos  agora existentes. Uma vez mais: obrigado, Graça Lobo, por ter  ousado e concretizado possibilidades que nos espantaram.
Ainda, lembramos que temos direito, como acontece noutras «paragens cosmopolitas» e com «glamour», a PLATAFORMA que nos dê memória organizada sobre os nossos profissionais da cultura e das artes. Em particular lembramos a referida sobre «Diretoras e Criadoras nas Artes do Espetáculo na esfera do serviço Público», aqui mencionada.
 


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