segunda-feira, 23 de setembro de 2024

CONTINUEMOS COM ROGÉRIO DE CARVALHO

 
 
 
Não nos chega o post anterior. Daí, o jornal Público chama a morte de Rogério de Carvalho para a primeira página, e depois temos um trabalho digno, de Gonçalo Frota e Lucinda Canelas,  em que, nomeadamente, artistas falam do «mestre». Quem conhece a sua obra gostará de a revisitar através das palavras daqueles companheiros de ofício. A quem isso não acontece uma boa forma de começar. Ah, quem sabe até aproveite aos Poderes institucionais.  Se puder não perca. Entretanto, estes excertos:

«(...) Rogério de Carvalho foi um homem do rigor, do pensamento meticuloso sobre a cena, de uma absoluta confiança na palavra teatral e de uma capacidade rara de reduzir a ideias simples aquilo que poderia parecer desmesuradamente complexo. A crítica e investigadora Maria Helena Serôdio defini-lo-ia, num texto para a Associação Portuguesa de Críticos de Teatro e publicado pela revista Sinais de Cena, como um bastião de “invulgar excelência e rigor”.
Os actores com quem trabalhou confirmam-no. Teresa Gafeira lembra a sua “atenção ao detalhe e ao intérprete”, Cláudio da Silva fala no “brio” com que fazia tudo, por mais insignificante que fosse a tarefa, Sandra Hung elogia-lhe a precisão de “relojoeiro” ao lidar com a palavra.
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Além de admirado enquanto encenador, e arredio a qualquer protagonismo, Rogério de Carvalho foi também um respeitado pedagogo, tendo sido professor do ensino secundário e leccionado na Escola Superior de Música e Artes do Espectáculo, no Porto, e na Escola Superior de Teatro e Cinema, em Lisboa.
É precisamente como “pedagogo atento” e “encenador extraordinário”, que a actriz Teresa Gafeira o recorda. “Com a morte do Rogério perco um amigo e o teatro português perde um mestre”, diz ao PÚBLICO. “‘Mestre’ é mesmo a palavra certa porque ele, além de um grande encenador, de um homem extraordinário, era alguém que, pela sua maneira de fazer teatro e estética muito próprias, de grande sensibilidade para com o texto e para com os actores, tinha sempre qualquer coisa para ensinar.”
Gafeira foi dirigida pelo encenador em inúmeras ocasiões e reconhece que, para muitos intérpretes, sobretudo os que com ele trabalhavam pela primeira vez, nem sempre era fácil entender o que Rogério de Carvalho pretendia de um gesto ou de uma cena.
Ele, que costumava dizer que não fazia dramaturgia, não chegava ao “seu” espectáculo a partir da análise do texto, como faz a maioria dos encenadores, garante a actriz: “O Rogério, que era um enorme director de actores, de um rigor extremo, chegava lá através de uma imensa noção dos tempos e dos ritmos do espectáculo. Construía partituras para o som e para o movimento que os actores tinham de seguir. As encenações dele tinham uma estrutura para o corpo, para a voz, que era muito intuitiva.” Uma intuição que talvez lhe viesse das suas raízes africanas, defende Teresa Gafeira: “Sendo um homem cultíssimo, profundo conhecedor dos textos, dos autores, ele deixava-se levar por esse lado que é, de certa maneira, indizível, inexplicável, e envolvia-nos. Eu, que não gosto nada de ensaios, sentia um enorme prazer ao ensaiar com o Rogério.”
Sandra Hung, actriz e membro da associação Artes e Engenhos, com a qual Rogério de Carvalho trabalhava com regularidade nos últimos anos, chegando a levar a um festival de teatro lusófono do Brasil a peça Migrações – Título Provisório, em 2018, está, como Teresa Gafeira, entre os seus amigos e entre os actores que falam neste “prazer”, neste “privilégio”, de partilhar o teatro — texto e palco — com o encenador.
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Cláudio da Silva recebeu a sua iniciação neste vocabulário singular com Se Isto É Um Homem, peça que estreou em 2019, no Festival de Almada, e que lhe valeu o Globo de Ouro para Melhor Actor de Teatro.
“Aprendi muitas coisas com ele, mas, sobretudo, a partir para uma peça com vontade de a descobrir”, diz o actor. “O Rogério tinha uma vontade de descoberta, de conhecimento, contínua, daí a exigência com que trabalhava, o brio com que fazia tudo.” «(...)».


Termina assim o artigo do Público:“O Rogério não deixa discípulos porque ele é único, deixa órfãos do teatro. E eu sou um deles”, conclui Teresa Gafeira. Da sua morte fica "um buraco aberto, por muito tempo”, acrescenta Cláudio da Silva. “Não há ninguém que possa ocupar o seu lugar. Agora só podemos seguir pelos caminhos que ele apontou, para explorar o que vem depois, como ele nos ensinou.”



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